Morfologia alheia

Anna Gonçalves

Quantas manhãs você foi apenas um rascunho de si mesma,  

um corpo sob os lençóis,  

à espera de um milagre que não batesse à porta,  

Quantas noites sua mente foi um labirinto de facas,  

até que o cansaço lhe devorasse as pupilas  

e você dormisse como quem desmaia?  

 

A ruminação é um círculo sem saída,  

o cérebro mastigando o mesmo veneno,  

enquanto o corpo, animal sábio e programado,  

pede hibernação 

                      [ fuga ou cura?]

 

Quantas vezes você se observou de longe,  

como quem lê um livro maçante,  

e desejou rasgar as páginas,  

reescrever a personagem principal?  

O desejo de não ser é mais antigo que você.

É a sombra que insiste em ser vista, mas que transformamos em casa

 

E o subsolo até que é confortável...

Mas às vezes a asfixia vem de dentro. 

Se tornando uma repetição de um circuito fechado.

 E de repente meu cérebro se tornou um museu de hábitos fossilizados.

Até meu organismo sabe que a letargia prolongada é um suicídio a prestações 

 

 Um estalo e você acorda da hipinose que você mesmo adentrou... 

E percebe que o desespero também cansa.  

A inércia também dói.  

E há uma vida lá fora  

que não pede permissão para existir,  

apenas avisa...   

               [Eu sigo, com ou sem você.]

 

Você se levanta.  

Não como heroína, não como fênix  

                   [Aquele velho caso bem clichê]

apenas como quem lembra, de repente,  

que também é terra fértil, precisa de sol,  

não da sua própria tempestade.  

 

E o segredo não é parar de pensar.  

É aprender a não obedecer  

a todos os pensamentos. 

 

Você, enfim respira.  

O dia é novo.  

E o tempo não espera ninguém,  

mas também não cobra dívidas de quem resolve enfim voltar a caminhar.

  • Autor: Anna Gonçalves (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 11 de agosto de 2025 01:56
  • Categoria: Reflexão
  • Visualizações: 3


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