ONDE MORA O ACONCHEGO

Sezar Kosta

Tem dias que começam

com o cheiro do café subindo pela casa

como se o tempo sussurrasse:

“vai devagar, hoje não precisa pressa.”

 

O som da chaleira,

a colher tocando o fundo da xícara,

e o gesto lento de alguém

que dobra uma toalha

com mais cuidado do que seria preciso.

Ali mora o afeto —

na dobra, no gesto, no silêncio.

 

Há amor no modo como ela

deixa a janela entreaberta

pra o vento entrar de leve,

ou no cuidado de não fazer barulho

ao sair do quarto,

como quem respeita o sono dos sonhos alheios.

 

Você sente?

Está no pão com manteiga tostado só de um lado,

no barulho do chinelo arrastando no corredor,

na blusa macia que ainda guarda

um pouco do perfume de quem partiu

mas deixou saudade costurada nos ombros.

 

Há ternura que se espalha

como cheiro de bolo no forno,

como o calor que vem do fogão aceso

em dias frios demais pra palavras.

 

E a gente vai vivendo,

colecionando esses nadas cheios de tudo:

um bilhete esquecido na geladeira,

a xícara no mesmo lugar de sempre,

o toque no ombro

que diz “estou aqui”

sem dizer nada.

 

Talvez amar seja isso:

um cuidado miúdo,

uma presença que não pesa,

mas aquece —

como luz acesa no corredor,

pra que ninguém tropece no escuro.

  • Autor: Sezar Kosta (Offline Offline)
  • Publicado: 7 de agosto de 2025 23:41
  • Comentário do autor sobre o poema: Às vezes, o amor não grita, mas sussurra nos detalhes: no café feito com calma, na toalha dobrada com esmero, no silêncio que respeita o sono do outro. São esses gestos quase invisíveis que fazem a casa virar abrigo e o cotidiano virar memória. Amar pode ser apenas estar ali, presente, cuidando em silêncio. Um afeto que não pesa, mas aquece — como luz acesa num corredor escuro. É nesses “nadas” que mora tudo.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 3
  • Usuários favoritos deste poema: Sezar Kosta
Comentários +

Comentários1

  • Edla Marinho

    Mas poeta, assim não aguento!
    É muita poesia nos detalhes simples do dia a dia, com tanto amor que só de ler dá vontade de tomar uma xícara de saudade pertinho do fogo aceso nesses versos!
    Meus parabéns, sempre!
    Meu abraço!



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