Sezar Kosta

ONDE MORA O ACONCHEGO

Tem dias que começam

com o cheiro do café subindo pela casa

como se o tempo sussurrasse:

“vai devagar, hoje não precisa pressa.”

 

O som da chaleira,

a colher tocando o fundo da xícara,

e o gesto lento de alguém

que dobra uma toalha

com mais cuidado do que seria preciso.

Ali mora o afeto —

na dobra, no gesto, no silêncio.

 

Há amor no modo como ela

deixa a janela entreaberta

pra o vento entrar de leve,

ou no cuidado de não fazer barulho

ao sair do quarto,

como quem respeita o sono dos sonhos alheios.

 

Você sente?

Está no pão com manteiga tostado só de um lado,

no barulho do chinelo arrastando no corredor,

na blusa macia que ainda guarda

um pouco do perfume de quem partiu

mas deixou saudade costurada nos ombros.

 

Há ternura que se espalha

como cheiro de bolo no forno,

como o calor que vem do fogão aceso

em dias frios demais pra palavras.

 

E a gente vai vivendo,

colecionando esses nadas cheios de tudo:

um bilhete esquecido na geladeira,

a xícara no mesmo lugar de sempre,

o toque no ombro

que diz “estou aqui”

sem dizer nada.

 

Talvez amar seja isso:

um cuidado miúdo,

uma presença que não pesa,

mas aquece —

como luz acesa no corredor,

pra que ninguém tropece no escuro.