Tem dias que começam
com o cheiro do café subindo pela casa
como se o tempo sussurrasse:
“vai devagar, hoje não precisa pressa.”
O som da chaleira,
a colher tocando o fundo da xícara,
e o gesto lento de alguém
que dobra uma toalha
com mais cuidado do que seria preciso.
Ali mora o afeto —
na dobra, no gesto, no silêncio.
Há amor no modo como ela
deixa a janela entreaberta
pra o vento entrar de leve,
ou no cuidado de não fazer barulho
ao sair do quarto,
como quem respeita o sono dos sonhos alheios.
Você sente?
Está no pão com manteiga tostado só de um lado,
no barulho do chinelo arrastando no corredor,
na blusa macia que ainda guarda
um pouco do perfume de quem partiu
mas deixou saudade costurada nos ombros.
Há ternura que se espalha
como cheiro de bolo no forno,
como o calor que vem do fogão aceso
em dias frios demais pra palavras.
E a gente vai vivendo,
colecionando esses nadas cheios de tudo:
um bilhete esquecido na geladeira,
a xícara no mesmo lugar de sempre,
o toque no ombro
que diz “estou aqui”
sem dizer nada.
Talvez amar seja isso:
um cuidado miúdo,
uma presença que não pesa,
mas aquece —
como luz acesa no corredor,
pra que ninguém tropece no escuro.