Socos em porcelana, e traição.

Esaú Abreu



 

Seu brilho não é inocente; é o reflexo da lâmina oculta sob as mangas de renda. Invejo a perfeição de suas mãos frias — tão hábeis em acariciar meu rosto quanto em apertar o nó da corda que me estrangula lentamente, como um sussurro que se transforma em grito.

Você usa vermelho não porque combine com seus lábios, mas porque disfarça melhor o sangue que escorrerá de meus cantos da boca, um prenúncio do que está por vir. Seus olhos, inchados e pesados, não são de insônia, mas de espera — contando os minutos até que eu feche os meus para sempre, como um ato final em um palco que não me pertence mais.

"Ama-me? Não me ama?" Perguntas entre dois golpes, enquanto ensaias com ele o gesto de me virar de costas, como se eu fosse apenas um personagem em sua peça cruel. Já decidiram quem segurará meus pulsos e quem enfiará o joelho em minhas costas, como se a dor fosse um mero detalhe na trama?

O maximalismo de seu vestido contrasta com a simplicidade do buraco que cavaram para mim, um espaço vazio que aguarda meu corpo como um espectador ansioso. Espetáculo! Você sempre soube compor cenas, enquanto eu sou apenas o ator que não lerá as críticas no dia seguinte, pois meu papel se encerrará em um silêncio ensurdecedor.

O sal que arde em minhas feridas é o mesmo com que temperarão o jantar de comemoração, um banquete macabro em honra à minha queda. O champanhe que beberão terá o gosto metálico que escorre de minha garganta, um brinde à traição que se disfarça de amor.

E quando minha porcelana se estilhaçar no chão, vocês recolherão os cacos juntos — um ritual íntimo de mãos manchadas, limpando os vestígios de um amor que ousou existir antes que o triângulo se tornasse um dueto.

Repito esse ato até entender:
a fragilidade nunca foi da boneca,
mas do tolo que acreditou
que a porcelana fosse feita para ser amada,
não quebrada.
E assim, na dança da traição,
meu eco se perderá,
um sussurro entre os cacos,
um lembrete de que, às vezes,
o amor é apenas um pretexto
para a morte que se aproxima.

 
- Esaú
 
  • Autor: Esaú (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 7 de agosto de 2025 15:58
  • Comentário do autor sobre o poema: O poema "Socos em porcelana, e traição." é uma poderosa reflexão sobre a fragilidade das relações e a traição que pode se esconder sob a superfície de um amor aparentemente perfeito. A metáfora da porcelana representa a vulnerabilidade emocional e a beleza que, muitas vezes, pode ser quebrada com facilidade. Através de imagens vívidas e sombrias, o poema explora a dinâmica de poder e controle em um relacionamento, onde a dor e a traição se entrelaçam. A repetição de perguntas como "Ama-me? Não me ama?" sugere uma luta interna e a busca por validação, enquanto a descrição do banquete macabro simboliza a celebração da queda e da desilusão. Para mim, esse poema evoca sentimentos de tristeza e reflexão sobre como o amor pode ser complexo e, por vezes, doloroso. Ele nos lembra que, mesmo nas relações mais íntimas, pode haver uma linha tênue entre amor e destruição. A fragilidade da porcelana é um lembrete de que, embora possamos parecer fortes e intactos por fora, todos temos nossas próprias fissuras e vulnerabilidades. Se você quiser compartilhar o que esse poema significa para você ou como ele ressoa em sua vida, estou aqui para ouvir!
  • Categoria: Amor
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