Manual de Instruções Para Ser Mulher (Escrito Tarde Demais)

Luana Santahelena

Nasci mulher num dia nublado,

com uma nuvem em forma de salto alto

pairando sobre minha cabeça.

A parteira olhou pra mim e disse:

“Essa vai dar trabalho… ou vai dar aula.”

E cá estou eu, entre o caos e o tutorial.

 

Aprendi cedo que batom é espada,

que TPM é sigla secreta para

“Tem Poderes Místicos”.

E que o sutiã, além de segurar peitos,

segura revoltas internas e choro contido.

 

Fui criada com manuais contraditórios:

“Seja doce, mas não melada.”

“Seja firme, mas não dura.”

“Seja linda, mas não consciente disso.”

E eu, obediente como uma gelatina em terremoto,

tentei seguir tudo —

até que um dia, tropecei em mim mesma

e descobri:

ser mulher é um espetáculo sem roteiro.

 

Os homens já sabiam.

Nos observavam como quem vê fogos de artifício

com medo de queimar a sobrancelha.

Sabiam que mulher é bom —

bom como café forte,

como samba bem tocado,

como fofoca bem contada.

 

Mas nós, ah…

nós demoramos porque estávamos ocupadas

salvando o mundo com absorventes,

fazendo planilhas emocionais,

e tentando entender

por que o shampoo masculino serve pra tudo

e o nosso tem 12 passos e um ritual lunar.

 

Hoje, olho no espelho e vejo

uma deusa com olheiras,

uma filósofa com franja torta,

uma guerreira que sabe a diferença entre

“bege areia” e “bege claro”.

 

E rio.

Rio porque ser mulher é rir com a boca cheia de batom,

é chorar vendo comercial de margarina,

é dançar com cólica,

é amar com vírgulas e exclamações.

 

Então, se um dia me perguntarem

o que é ser mulher,

vou responder com um sorriso torto:

é descobrir que você é incrível

justamente no dia em que esqueceu de depilar a perna

e resolveu salvar o mundo mesmo assim.

 

(Fim do manual. Dobrar com carinho e guardar na bolsa, entre o batom e a indignação feminista.)

  • Autor: Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 30 de julho de 2025 12:35
  • Comentário do autor sobre o poema: Ser mulher é equilibrar força e doçura enquanto se dança no fio da contradição. É aprender a transformar regras em rituais próprios, e transformar o caos diário em beleza feroz. Mesmo exausta, ela se reinventa — com olheiras, com franja torta, com coragem. Porque ser mulher nunca foi sobre seguir manuais, mas sobre reescrevê-los com lápis de batom.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 2
  • Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena, Spell mesclados


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