Nasci mulher num dia nublado,
com uma nuvem em forma de salto alto
pairando sobre minha cabeça.
A parteira olhou pra mim e disse:
“Essa vai dar trabalho… ou vai dar aula.”
E cá estou eu, entre o caos e o tutorial.
Aprendi cedo que batom é espada,
que TPM é sigla secreta para
“Tem Poderes Místicos”.
E que o sutiã, além de segurar peitos,
segura revoltas internas e choro contido.
Fui criada com manuais contraditórios:
“Seja doce, mas não melada.”
“Seja firme, mas não dura.”
“Seja linda, mas não consciente disso.”
E eu, obediente como uma gelatina em terremoto,
tentei seguir tudo —
até que um dia, tropecei em mim mesma
e descobri:
ser mulher é um espetáculo sem roteiro.
Os homens já sabiam.
Nos observavam como quem vê fogos de artifício
com medo de queimar a sobrancelha.
Sabiam que mulher é bom —
bom como café forte,
como samba bem tocado,
como fofoca bem contada.
Mas nós, ah…
nós demoramos porque estávamos ocupadas
salvando o mundo com absorventes,
fazendo planilhas emocionais,
e tentando entender
por que o shampoo masculino serve pra tudo
e o nosso tem 12 passos e um ritual lunar.
Hoje, olho no espelho e vejo
uma deusa com olheiras,
uma filósofa com franja torta,
uma guerreira que sabe a diferença entre
“bege areia” e “bege claro”.
E rio.
Rio porque ser mulher é rir com a boca cheia de batom,
é chorar vendo comercial de margarina,
é dançar com cólica,
é amar com vírgulas e exclamações.
Então, se um dia me perguntarem
o que é ser mulher,
vou responder com um sorriso torto:
é descobrir que você é incrível
justamente no dia em que esqueceu de depilar a perna
e resolveu salvar o mundo mesmo assim.
(Fim do manual. Dobrar com carinho e guardar na bolsa, entre o batom e a indignação feminista.)