Descobri cedo
que remédio não cura só o corpo —
é amigo de fala séria,
que promete consertos em letras miúdas
mas deixa a alma de terno e sapato.
Aí veio o vinho,
alquimista de gargalhadas,
que em cada gole despeja feitiço,
me fazendo dançar com espelhos,
sem medo do ridículo nem do amanhã.
Quando ele entra,
minha memória vira rede de pescador —
larga, distraída,
deixa escapar boletos, culpas e senhas
como se nunca tivessem existido.
Meus critérios de beleza?
Derretem no fundo da taça:
o mundo vira desfile de possibilidades,
e eu, musa acidental de alguma boemia,
com cabelo de vendaval
e um sorriso bêbado de chocolate.
Minha mente, antes tartaruga em fila de banco,
vira falcão em voo torto —
capaz de rir antes da piada,
de chorar com o riso,
de entender tudo sem precisar das palavras.
Mas toda mágica tem custo:
o dia seguinte acorda com gosto de filosofia barata,
e a cabeça —
essa ex-câmara de ecos e coros —
volta ao modo avião:
silenciosa, miúda, arrependida.
Entre pílulas e brindes,
aprendo que viver
é equilibrar-se sobre a linha fina
entre o remédio e o delírio,
a dívida e o desvario,
a dor e o riso.
Por isso, brindo.
Não à perfeição da saúde,
mas à arte de esquecer com estilo,
à festa que dura o tempo de um gole,
e à lucidez de saber
que até a ressaca tem seu poema.
-
Autor:
Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 25 de julho de 2025 10:14
- Comentário do autor sobre o poema: Às vezes, tudo que precisamos é um gole de esquecimento para calar o excesso de lucidez. Fugir do tédio calculado da rotina e mergulhar na leveza imperfeita dos excessos revela um outro tipo de sabedoria. Entre o remédio que cura e o vinho que liberta, há um espaço onde a vida sorri com todos os dentes, mesmo que no dia seguinte ela peça silêncio.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 11
- Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena, Sezar Kosta
Comentários2
magnifico poema!
Minha cara Luana, que brinde certeiro o seu, essa "Receita para uma alegria embriagante"! Você sacou a parada: remédio é papo furado, o que resolve é o vinho, esse alquimista de gargalhadas que faz a gente dançar com o espelho sem medo do ridículo.
Sua memória vira rede de pescador, larga, e o mundo, ah, o mundo vira desfile de possibilidades. A mente, de tartaruga a falcão torto, ri antes da piada, chora com o riso. Isso é a vida nua e crua, sem frescura. E a ressaca? "Gosto de filosofia barata", e daí? Até ela tem seu poema. Viver é equilibrar-se na corda bamba entre o delírio e a dívida. Brindar a isso, com estilo e lucidez, é a arte que a gente aprende no fim do copo. Mandou bem demais!
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