Luana Santahelena

Receita para uma Alegria Embriagante

Descobri cedo

que remédio não cura só o corpo —

é amigo de fala séria,

que promete consertos em letras miúdas

mas deixa a alma de terno e sapato.

 

Aí veio o vinho,

alquimista de gargalhadas,

que em cada gole despeja feitiço,

me fazendo dançar com espelhos,

sem medo do ridículo nem do amanhã.

 

Quando ele entra,

minha memória vira rede de pescador —

larga, distraída,

deixa escapar boletos, culpas e senhas

como se nunca tivessem existido.

 

Meus critérios de beleza?

Derretem no fundo da taça:

o mundo vira desfile de possibilidades,

e eu, musa acidental de alguma boemia,

com cabelo de vendaval

e um sorriso bêbado de chocolate.

 

Minha mente, antes tartaruga em fila de banco,

vira falcão em voo torto —

capaz de rir antes da piada,

de chorar com o riso,

de entender tudo sem precisar das palavras.

 

Mas toda mágica tem custo:

o dia seguinte acorda com gosto de filosofia barata,

e a cabeça —

essa ex-câmara de ecos e coros —

volta ao modo avião:

silenciosa, miúda, arrependida.

 

Entre pílulas e brindes,

aprendo que viver

é equilibrar-se sobre a linha fina

entre o remédio e o delírio,

a dívida e o desvario,

a dor e o riso.

 

Por isso, brindo.

Não à perfeição da saúde,

mas à arte de esquecer com estilo,

à festa que dura o tempo de um gole,

e à lucidez de saber

que até a ressaca tem seu poema.