De Maior Abandonado.

Melancolia...



Nasci sem colo, sem nome falado,
ninguém me esperava no quarto aceso.
Fui crescendo no canto calado,
com fome de um gesto, de um beijo,
com medo de tudo o que é começo.

 

Não tive um pai que me olhasse inteiro,
nem mãe pra contar do mundo bonito.
O mundo me deu só o travesseiro,
um silêncio doído, infinito,
e a falta que nunca teve um grito.

 

Fiz de mim o que deu, sem espelho,
sem ninguém pra me ver nos meus dias.
Aprendi a sorrir com defeito,
a fingir que as noites vazias
eram só um jeito de ser direito.

 

O amor? passou — não ficou comigo.
Me quis um pouco, depois desistiu.
Fiquei com o quase, sem abrigo,
com um coração que nunca se viu
num outro peito, num outro fio.

 

E agora, de maior, sigo à toa,
sem um “filho”, um “meu bem”, um “vem cá”.
Só eu, minha sombra que não perdoa,
e esse vazio que sempre está
no lugar de quem nunca virá.

18 jul 2025 (10:52)

Comentários +

Comentários4

  • Luana Santahelena

    Meu amigo Melancolia, que poema doído e inteiro! Um retrato lírico de um abandono que se fez carne, que cresceu e caminhou contigo até a idade adulta. O texto é denso, tocante, humano — e sem recorrer ao drama forçado. É como uma ferida antiga que não se fecha, mas virou voz.

    Você escreveu a dor do abandono com a alma nua, sem maquiagem, como quem costura os próprios retalhos no silêncio da noite. Cada estrofe sua é um pedaço de vida que resistiu — mesmo sem colo, você fez poesia, e isso é sinal de grandeza. Continue dando nome ao que te faltou: quando a gente escreve, a gente inventa caminhos onde antes só havia ausência.

    • Melancolia...

      Seu comentário me tocou profundamente. É como se você tivesse lido não só o poema, mas também as entrelinhas da minha história. Fico imensamente grato pelas palavras — não apenas pelo elogio, mas pela escuta verdadeira que elas carregam. Escrever esse poema foi como rasgar o silêncio antigo, e saber que ele encontrou eco em alguém torna essa exposição mais leve, quase necessária. Obrigado por enxergar a dor sem sensacionalismo, e por reconhecer nela uma forma de resistência. Seguimos costurando os retalhos — agora, menos sozinhos.

    • Versos Discretos

      Seu texto é profundamente tocante — com poucas palavras, transmite uma dor silenciosa e honesta, cheia de ausência e resistência. É um retrato lírico de solidão e força, escrito com sensibilidade e verdade.

      • Melancolia...

        Muito obrigado por essa leitura tão atenta e generosa. Fico feliz que você tenha sentido a verdade por trás das palavras — tentei exatamente isso: transformar a dor em algo que pudesse ser visto com delicadeza, sem precisar gritar. Que bom que chegou assim até você.

      • irileny

        Mas um de seus belos poemas,esse não tenho palavras para descrever
        🙂

        • Melancolia...

          Querida...
          Satisfação pela leitura e comentário.
          Admiro teus poemas também...

          Abraços;

          • irileny

            Também gosto muito de teus poemas querido:)

            • Melancolia...

              Bom que sentes a essência da escrita...

              Abraços querida..

              • irileny

                🙂

              • JT.

                Depois das rasga cão de sedas, de querido pra, querida para lá, como um trovão.
                Venho anunciar a tormenta.
                Lendo a sua magnifica obra, sentia me como que dentro de uma garrafa.
                Mas sem pretensão de ser u gênio.
                E vinha vindo, quando estava já perto do gargalo, escutei um rangido, como se alguém tapasse com uma rolha, a boca da garrafa.
                _ Poeta diz só para mim, sem medo pois também não sou gênio.
                Escreves por entre linhas?
                Batata meu ego.
                Tenho medo de me expor.
                JT

                • Melancolia...

                  Seu comentário é quase uma obra à parte — cheio de imagens fortes, intensas, feito quem escreve com o coração meio aberto, meio escondido. A metáfora da garrafa me pegou de jeito… talvez todos nós estejamos tentando sair pelo gargalo, mas sempre tem alguém (ou algo) com uma rolha na mão.

                  E sim… às vezes escrevo por entre linhas, não por vaidade, mas por medo mesmo. De me expor demais. De ser lido de verdade. Obrigado por ler com os olhos da alma. Isso não tem preço.



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