Não foi por falta de aviso.
Minha mãe falava com os olhos,
as vizinhas murmuravam entre os panos,
como quem sussurra bênção ou presságio.
Mas eu fui.
Teimosa que só.
Achava que sabia das coisas —
como quem leu a capa,
e achou que era o livro.
Corri atrás do futuro
como quem persegue sombra em asfalto quente.
Acreditei na esperteza
e fechei os ouvidos pra quem me queria inteira.
Fiz casa sobre vento,
sem parede que me segurasse.
Dei flor onde só havia pedra,
água onde só havia poço seco.
Quando tudo ruiu,
recolhi os cacos do meu próprio engano
com a vassoura do silêncio.
E fiquei sozinha —
não por falta de gente,
mas por ausência de mim.
Hoje sei:
quem avisa, cuida.
E o cuidado, às vezes, tem voz áspera.
Eu escolhia os sons que me encantavam
e silenciava os que me alertavam.
Mas aprendi.
Tarde, talvez.
Mas volto com alma remendada,
passos que pisam leve
e olhos que não negam o caminho.
Agora ando devagar —
não por medo,
por reverência.
Ao tempo, às vozes antigas,
e a essa mulher que renasceu
depois de se perder de si.
-
Autor:
Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 17 de julho de 2025 09:25
- Comentário do autor sobre o poema: Às vezes, é preciso cair da própria certeza para entender o valor de um alerta. Nem sempre o cuidado vem embrulhado em doçura — e é fácil confundir amor com aprovação. O crescimento, por vezes, nasce do tropeço, quando a vida obriga a gente a escutar o que antes parecia incômodo. Só então aprendemos a andar mais devagar, não por medo, mas por sabedoria.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 11
- Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena, Sezar Kosta
Comentários1
Minha cara Luana,
Seus versos me tocaram como um dedo de prosa antiga, dessas que a vida escreve na pele da gente. Essa história de não ouvir os avisos, ah, quem nunca, não é mesmo? A gente nasce com uma teimosia danada, pensando que sabe mais do que a mãe, mais do que as vizinhas que "sussurram bênção ou presságio" entre os panos. É o tal do livro lido só pela capa, como você bem disse.
A gente corre atrás de futuro feito criança atrás de borboleta, constrói casa em cima de vento e planta flor onde só tem pedra. E quando tudo desaba, minha filha, aí sim a gente aprende a varrer os cacos com a vassoura do silêncio, essa que só a dor ensina a usar.
Mas veja bem, Luana, a beleza do seu poema está justamente aí: nessa "alma remendada" que volta, nesses passos que pisam leve e nos olhos que agora não negam o caminho. A gente se perde da gente para se encontrar de novo, mais forte, mais sabida. E essa "reverência" ao tempo e às vozes antigas, isso é a maior sabedoria.
Parabéns por essa verdade tão bonita e corajosa. Sua poesia é como um doce feito em tacho de cobre, que leva tempo, mas tem o gosto da vida de verdade.
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