Não foi por falta de aviso.
Minha mãe falava com os olhos,
as vizinhas murmuravam entre os panos,
como quem sussurra bênção ou presságio.
Mas eu fui.
Teimosa que só.
Achava que sabia das coisas —
como quem leu a capa,
e achou que era o livro.
Corri atrás do futuro
como quem persegue sombra em asfalto quente.
Acreditei na esperteza
e fechei os ouvidos pra quem me queria inteira.
Fiz casa sobre vento,
sem parede que me segurasse.
Dei flor onde só havia pedra,
água onde só havia poço seco.
Quando tudo ruiu,
recolhi os cacos do meu próprio engano
com a vassoura do silêncio.
E fiquei sozinha —
não por falta de gente,
mas por ausência de mim.
Hoje sei:
quem avisa, cuida.
E o cuidado, às vezes, tem voz áspera.
Eu escolhia os sons que me encantavam
e silenciava os que me alertavam.
Mas aprendi.
Tarde, talvez.
Mas volto com alma remendada,
passos que pisam leve
e olhos que não negam o caminho.
Agora ando devagar —
não por medo,
por reverência.
Ao tempo, às vozes antigas,
e a essa mulher que renasceu
depois de se perder de si.