O vento frio cortava como facas enferrujadas. Gotas pálidas caíam sobre a terra de crateras e trincheiras. Já não sentia minhas mãos dentro das luvas rasgadas.
Semienterrado na lama, ao meu lado, meu fuzil parecia morto.
Ao longe, um estampido abafado — talvez um morteiro, talvez um trovão. Já não distinguia.
Meus ouvidos zumbiam com o eco de gritos que não existiam mais. Tentei chamar a esperança, mas a voz sumiu antes de sair.
A língua grudava no céu da boca, seca como pó e o gosto de pólvora queimada.
Uma mancha se espalhava no casaco devagar, como tinta em água suja.
Quando me feri? Não lembrava.
Apenas a dor contra o céu de chumbo, e daquelas crianças — ou seriam sombras — correndo antes da explosão.
Os pensamentos formaram um som: "Mãe."
O frio queimava agora, um ardor quieto nos pulmões.
Olhei as mãos, vermelho e desamparo sobre elas.
Um pássaro pousou na cerca de arame, inclinando a cabeça.
Estou morto? Perguntei, em silêncio.
O pássaro voou, levando consigo a resposta. (Wellington R Tonoli - 07/07/2025)
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Autor:
Rodrigo Tonoli (
Offline)
- Publicado: 16 de julho de 2025 15:30
- Comentário do autor sobre o poema: Uma narrativa em forma de poema lírico: o frio cortante personifica a fraqueza humana, o fuzil inerte representa a inutilidade da guerra, a confusão entre trovão e morteiro... cada frase é uma ferida aberta, mas contida com elegância poética. fala de forma sombria na maneira como a guerra não é apenas cenário, mas também sensação, dúvida e até transcendência. Dedico esse poema a todos soldados que tombaram em batalha.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 10
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