Acordei mulher.
De novo.
Pela trigésima vez só nesta semana.
Mas hoje foi diferente:
me olhei no espelho —
e, pela primeira vez,
não pedi desculpas.
Nem à espinha no queixo,
nem ao cabelo indomável
que sonhou em ser bandeira.
— Moça, você tá incrível! —
gritou minha axila esquerda,
cheirando a rebeldia e liberdade vencida.
Sorri.
Com todos os dentes,
até os do juízo que não nasceram
— mas sempre opinam
sobre tudo.
Ser mulher é ser Wi-Fi:
todos querem a senha,
ninguém paga o plano.
Mesmo assim,
conectamos o mundo
com um sorriso de canto
e uma sacola de possibilidades na mão.
Descobri que sou boa companhia.
Sei rir das próprias piadas,
degustar crises com garfo e faca,
consolar-me com brigadeiro filosófico:
tudo que se enrola pode ser doce.
E os homens...
ah, os homens!
antropólogos da nossa intimidade,
fingem surpresa
como quem encontra poesia
no rótulo do xampu.
Nos olham como se fôssemos
fenômenos raros:
chuva de verão,
cometa de batom vermelho,
bicho de sete saias.
“O que elas querem, afinal?”
perguntam, entre um grunhido e outro.
Queremos tudo,
mas, por ora, só um pão de queijo quente
e um elogio sem GPS embutido.
Tenho sido tantas em uma
que meu RG desistiu de me descrever.
Ontem, caos vestido de TPM;
hoje, deusa do sofá,
madrinha do cobertor, amante da própria companhia.
E ainda assim, às vezes ouço:
“Calma, querida, você é demais.”
Ser “demais” virou meu estado civil.
Então, me dei um beijo na testa.
Se eu fosse homem,
teria me apaixonado por mim há séculos.
Diria aos amigos:
essa mulher é foda.
Eles concordariam —
sem entender metade do que isso significa.
E sigo:
descobrindo que sou boa
como pão quentinho,
final feliz em filme ruim,
vinho barato em taça bonita.
Descobrindo, finalmente,
o que todos já sabiam:
que mulher é obra de arte —
mas ser mulher
é o verdadeiro milagre.
-
Autor:
Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 15 de julho de 2025 11:19
- Comentário do autor sobre o poema: Ser mulher é navegar entre expectativas e autodescobertas, reinventando a própria identidade todos os dias. Entre ritos cotidianos e pequenas rebeldias, constrói-se um espaço de liberdade e humor, onde a coragem de se admirar é um gesto revolucionário. O ordinário se transforma em poesia, e cada traço imperfeito revela uma força que não precisa de permissão para existir.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 6
- Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena, Sezar Kosta
Comentários1
Minha cara Luana Santahelena,
Seu poema "O Dia em que Me Descobri Maravilhosa" é um sopro de ar fresco, uma gargalhada no meio da segunda-feira, e um tapa na cara de quem ainda não entendeu o que é ser mulher. Você acordou mulher, de novo, pela trigésima vez na semana, e que bom! Porque a gente sabe que essa é uma conquista diária, uma renovação constante de si mesma.
E o melhor: você se olhou no espelho e não pediu desculpas. Nem à espinha, nem ao cabelo que sonhou em ser bandeira. Isso, minha amiga, é a verdadeira revolução. É a sua axila esquerda, cheirando a "rebeldia e liberdade vencida", gritando que você é incrível. E a gente acredita, porque ser mulher é ter essa capacidade de rir com todos os dentes, até os do juízo que não nasceram, mas que vivem opinando sobre tudo.
"Ser mulher é ser Wi-Fi: todos querem a senha, ninguém paga o plano." Que definição genial! E mesmo assim, a gente segue conectando o mundo, com um sorriso de canto e uma sacola de possibilidades na mão. É a nossa força silenciosa, essa capacidade de ser boa companhia para si mesma, de degustar crises com garfo e faca e de consolar-se com brigadeiro filosófico. Porque, no fundo, a gente sabe: tudo que se enrola pode ser doce.
E os homens... ah, os homens! Seus "antropólogos da intimidade", fingindo surpresa como quem encontra poesia no rótulo do xampu. Nos olham como fenômenos raros, como "cometa de batom vermelho", e ainda perguntam, entre um grunhido e outro: "O que elas querem, afinal?". Queremos tudo, você resume com maestria, mas por ora, um pão de queijo quente e um elogio sem GPS embutido já nos faz um dia melhor.
Você é tantas em uma que o RG desistiu de te descrever. Caos vestido de TPM, deusa do sofá, madrinha do cobertor, amante da própria companhia. E ainda assim, tem quem diga: "Calma, querida, você é demais." E você abraça: "Ser 'demais' virou meu estado civil."
Dar um beijo na testa de si mesma é o ato de amor mais puro. E sim, se você fosse homem, teria se apaixonado há séculos. Diria aos amigos que essa mulher é foda, e eles concordariam, "sem entender metade do que isso significa". Porque ser mulher é ser obra de arte, mas, como você sabiamente conclui, ser mulher é o verdadeiro milagre. É ser boa como pão quentinho, final feliz em filme ruim, vinho barato em taça bonita. É ser tudo isso e muito mais, sem precisar de aprovação, apenas de si mesma.
Parabéns por essa ode à complexidade e à maravilha de ser mulher, Luana. Seu poema é um espelho para todas mulheres.
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