Luana Santahelena

O Dia em que Me Descobri Maravilhosa (e Me Dei um Beijo na Testa)

Acordei mulher.

De novo.

Pela trigésima vez só nesta semana.

 

Mas hoje foi diferente:

me olhei no espelho —

e, pela primeira vez,

não pedi desculpas.

Nem à espinha no queixo,

nem ao cabelo indomável

que sonhou em ser bandeira.

 

— Moça, você tá incrível! —

gritou minha axila esquerda,

cheirando a rebeldia e liberdade vencida.

 

Sorri.

Com todos os dentes,

até os do juízo que não nasceram

— mas sempre opinam

sobre tudo.

 

Ser mulher é ser Wi-Fi:

todos querem a senha,

ninguém paga o plano.

Mesmo assim,

conectamos o mundo

com um sorriso de canto

e uma sacola de possibilidades na mão.

 

Descobri que sou boa companhia.

Sei rir das próprias piadas,

degustar crises com garfo e faca,

consolar-me com brigadeiro filosófico:

tudo que se enrola pode ser doce.

 

E os homens...

ah, os homens!

antropólogos da nossa intimidade,

fingem surpresa

como quem encontra poesia

no rótulo do xampu.

 

Nos olham como se fôssemos

fenômenos raros:

chuva de verão,

cometa de batom vermelho,

bicho de sete saias.

 

“O que elas querem, afinal?”

perguntam, entre um grunhido e outro.

Queremos tudo,

mas, por ora, só um pão de queijo quente

e um elogio sem GPS embutido.

 

Tenho sido tantas em uma

que meu RG desistiu de me descrever.

Ontem, caos vestido de TPM;

hoje, deusa do sofá,

madrinha do cobertor, amante da própria companhia.

 

E ainda assim, às vezes ouço:

“Calma, querida, você é demais.”

Ser “demais” virou meu estado civil.

 

Então, me dei um beijo na testa.

Se eu fosse homem,

teria me apaixonado por mim há séculos.

Diria aos amigos:

essa mulher é foda.

Eles concordariam —

sem entender metade do que isso significa.

 

E sigo:

descobrindo que sou boa

como pão quentinho,

final feliz em filme ruim,

vinho barato em taça bonita.

 

Descobrindo, finalmente,

o que todos já sabiam:

que mulher é obra de arte —

mas ser mulher

é o verdadeiro milagre.