A Casa dos Sentimentos

L. R. Ramos

Mudança chegou primeiro, como sempre.

Abriu a porta sem ruído, cruzou os braços, esperou.
— Vim ficar um tempo.
— Quanto tempo?
Ela apenas sorriu e ocupou o sofá.

 

A Alegria andava distraída quando percebeu a visita.
Seus passos hesitaram, os olhos vacilaram.
— De novo? — murmurou, sem encarar ninguém.
Mudança não respondeu.
A Alegria suspirou, ajeitou os cabelos,
e antes que eu dissesse qualquer coisa, saiu.
Não bateu a porta. Não deixou recado.

 

Foi por essa mesma janela que a Dor entrou.
Trazia o cheiro de chuva antiga,
o peso de quem nunca realmente partiu.
Passeou pelos cômodos, reconhecendo cada sombra,
os dedos traçando caminhos invisíveis nas paredes.
— Estava com saudade.

 

Não me dei o trabalho de responder.
Ela se jogou na poltrona, confortável.
— Não vai me mandar embora?
Fiquei em silêncio.
A Dor sorriu, certa de sua permanência.

 

O Tempo observava de canto.
Tomava seu café sem interferir,
mas sua presença era inegociável.
— Vocês dois precisam dividir o espaço.
A Dor fingiu que não ouviu.
Mudança cruzou as pernas,
olhando tudo com aquela paciência que me irrita.

 

Ficamos todos ali.
Eu, sentado à mesa, contando respirações.
A Dor, com seu olhar que nunca se cansa.
Mudança, já à vontade.
O Tempo, sem pressa alguma.

 

No dia seguinte, a Alegria voltou.
Não pediu desculpas.
Não explicou sua ausência.
Olhou para o sofá, viu que não havia mais lugar.
Sentou-se no chão.
— Tudo bem assim?

 

Olhei ao redor.
Mudança abriu um livro.
A Dor trocou de posição, mas não saiu.
O Tempo continuou bebendo seu café.
A Alegria esperava,
sem urgência, sem exigências.

 

O que posso fazer?
Fiquem todos.
Nunca controlei nenhum.

 

L. R. Ramos, fevereiro de 2025

 

  • Autor: L. R. Ramos (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 13 de julho de 2025 02:36
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 4
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Comentários +

Comentários2

  • Sergio Neves

    SERGIO NEVES - ...meu amigo, foste fundo nessa tua inspiração! ...ficou bom pra caramba o que aqui desenvolveste sobre essa tua toda analogia....,...e é assim mesmo,...todos "eles" são "hóspedes" que nos visitam sem qualquer aviso prévio...,...todos sempre "entrelaçados": -...o tempo -de tempo em tempo- nos concede mudanças mil, e, inxeridas, as dores e alegrias vêm junto,...se intercalam... -tudo num pacote só...,...é como mesmo tu evidencias: -...ô turminha que está sempre a fugir do nosso controle! // ...parabéns pela excelência da ideia e do texto em si... // (PS - ...depois eu vou dar uma "espiadinha" no teu "A Desobediência do Tempo"...conforme me indicaste...) /// Abçs.

    • L. R. Ramos

      Pois é! São hóspedes que vão, voltam e se instalam sem pedir licença. Fazem parte de nossa casa e é difícil ter controle, ou como o eu-lírico diz "nunca controlei nenhum".

    • L. R. Ramos

      Tem algo nessa casa que é fácil reconhecer.
      A Dor que não pede licença, a Alegria que volta sem explicação, o Tempo que só observa.
      É simples, mas fica — como se os versos também tivessem decidido morar ali por um tempo.



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