Mudança chegou primeiro, como sempre.
Abriu a porta sem ruído, cruzou os braços, esperou.
— Vim ficar um tempo.
— Quanto tempo?
Ela apenas sorriu e ocupou o sofá.
A Alegria andava distraída quando percebeu a visita.
Seus passos hesitaram, os olhos vacilaram.
— De novo? — murmurou, sem encarar ninguém.
Mudança não respondeu.
A Alegria suspirou, ajeitou os cabelos,
e antes que eu dissesse qualquer coisa, saiu.
Não bateu a porta. Não deixou recado.
Foi por essa mesma janela que a Dor entrou.
Trazia o cheiro de chuva antiga,
o peso de quem nunca realmente partiu.
Passeou pelos cômodos, reconhecendo cada sombra,
os dedos traçando caminhos invisíveis nas paredes.
— Estava com saudade.
Não me dei o trabalho de responder.
Ela se jogou na poltrona, confortável.
— Não vai me mandar embora?
Fiquei em silêncio.
A Dor sorriu, certa de sua permanência.
O Tempo observava de canto.
Tomava seu café sem interferir,
mas sua presença era inegociável.
— Vocês dois precisam dividir o espaço.
A Dor fingiu que não ouviu.
Mudança cruzou as pernas,
olhando tudo com aquela paciência que me irrita.
Ficamos todos ali.
Eu, sentado à mesa, contando respirações.
A Dor, com seu olhar que nunca se cansa.
Mudança, já à vontade.
O Tempo, sem pressa alguma.
No dia seguinte, a Alegria voltou.
Não pediu desculpas.
Não explicou sua ausência.
Olhou para o sofá, viu que não havia mais lugar.
Sentou-se no chão.
— Tudo bem assim?
Olhei ao redor.
Mudança abriu um livro.
A Dor trocou de posição, mas não saiu.
O Tempo continuou bebendo seu café.
A Alegria esperava,
sem urgência, sem exigências.
O que posso fazer?
Fiquem todos.
Nunca controlei nenhum.
L. R. Ramos, fevereiro de 2025