Fui escrita para ser sentida.
Mas agora, sou medida.
Linha por linha, dissecada,
como se emoção tivesse escala.
Me leem com régua, com lupa,
buscando o erro, o excesso,
o que falta, o que transborda,
o que encaixa na métrica do valor.
Mas valor pra quem?
E por quê?
Se fui feita para ser silêncio,
por que querem me julgar pelo som?
Dizem que preciso impactar,
mas sem transgredir.
Que devo ser profunda,
mas não abissal.
Que preciso soar única,
mas também familiar.
Que seja lírica,
mas não abstrata.
Que tenha forma,
mas não engessada.
Que emocione,
mas não escandalize.
Que surpreenda,
mas dentro do esperado.
E assim, palavra a palavra,
deixei de ser minha,
para ser de quem mede,
de quem filtra,
de quem decide o que permanece
e o que se descarta.
E no fim, se levar um prêmio,
serei a melhor?
Ou apenas aquela
que atendeu ao formulário
com precisão cirúrgica?
E se eu for nota 10,
terei vencido?
Ou apenas aceitado
o papel de peça no jogo
que não escolhi jogar?
E quem avalia,
também aguarda sua nota?
Ou já percebeu
que sua régua também se desfaz no tempo?
Porque no fim,
o pódio está vazio.
E a medalha pesa no peito
de quem ainda acredita nela.
E a única certeza
é que um dia,
quem deu as notas
também será silêncio.
L. R. Ramos – 2025.
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Autor:
L. R. Ramos (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 10 de julho de 2025 11:12
- Comentário do autor sobre o poema: Uma crítica à lógica dos concursos que tentam medir o que nasceu para ser vivido. Falo da poesia, mas poderia ser qualquer forma de arte julgada por critérios que ela nunca escolheu seguir.\r\n
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 5
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Comentários2
SERGIO NEVES - ...pra ti...,...nota 10 pra ti...,...uma inspiração bem inusitada e composta com excelência... /// Abçs.
Muito obrigado pelas suas palavras — elas me deixaram realmente feliz.
Essa é uma poesia crítica, escrita justamente para um concurso, com a intenção de ironizar o modo como se tenta medir algo tão subjetivo como a arte.
Por mais que existam critérios técnicos, nunca fez muito sentido para mim que um avaliador possa dizer o que é “melhor” em arte. Cada poesia pode ser inesquecível para alguém e, ao mesmo tempo, passar despercebida por outra pessoa — e isso, por si só, já tem um valor imenso: o olhar do leitor.
Como era de se esperar, ela nem chegou entre as “semifinalistas”. Mas, para mim, cumpriu plenamente o que se propôs a fazer.
E o seu comentário, esse sim… vale nota 10.
Poesia crítica aos concursos de produção artística, especificamente, poesia aqui.
Ela cumpre perfeitamente o seu propósito.
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