Eu caí.
Não como fruta madura,
mas como quem despenca com o corpo cheio —
fé, dentes, coragem e silêncio rachado.
A alma gemeu alto,
como madeira antiga sob a chuva.
Fiz o que as mulheres fazem quando desabam:
acendi o fogão como quem reacende o peito,
chorei sobre lençóis que não sabiam consolo,
rezei um Pai-Nosso com as mãos trincadas de raiva,
e segui —
lavando a roupa,
sonhando flor.
Não foi bonito.
Foi feio, suado, com gosto de fim.
Quis morrer,
mas fui esquentando aos poucos,
como leite no fogo baixo da esperança.
Então uma fresta acendeu a manhã.
Eu, ainda ali. Viva.
Meu corpo — esse templo vazando pelos cantos —
me sussurrou: vai.
Minhas mãos, cheias de calo e verso,
responderam: recomeça.
Não sei voar,
mas inventei asas com pano de prato, oração e insistência.
E fui.
Hoje, sou essa coisa:
mulher que já foi cinza,
e agora canta entre pratos e promessas.
Deus mora em mim
como mora em quem aprendeu a doer
sem perder o rosto.
Se me perguntarem quem sou,
digo:
sou aquela que caiu —
e levantou com uma flor que aprendeu a nascer no escuro da boca.
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Autor:
Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 23 de junho de 2025 18:01
- Comentário do autor sobre o poema: Há uma força que floresce dentro das quedas. Ressurreição não é milagre de luz: é arte de mulher que insiste, mesmo sem aplauso, em renascer do chão.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 14
- Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena, Sezar Kosta, Antonio Luiz
Comentários1
Querida Luana,
Seu poema é um abraço apertado na alma, uma daquelas verdades que a gente sente no corpo antes mesmo de nomear. "Ressurreição é coisa de mulher" é um mapa da dor que vira força, um testemunho de que a vida insiste mesmo quando a gente despenca com tudo rachado.
É bonito ver como você nos mostra o avesso do desabamento. Não é a queda heroica, mas aquela que nos faz acender o fogão como quem reacende a vida, chorar sobre lençóis, rezar com as mãos trincadas de raiva. É nesse "feio, suado, com gosto de fim" que a esperança, como leite em fogo baixo, vai nos esquentando.
A alma que geme alto, a madeira antiga sob a chuva... suas imagens são um espelho para as nossas próprias fendas, para o corpo que vaza pelos cantos e, ainda assim, sussurra "vai". E essa invenção das asas com pano de prato, oração e insistência? Ah, Luana, isso é a mais pura verdade sobre o nosso recomeço.
Você não esconde a cicatriz, a cinza que um dia fomos, mas revela a canção que brota entre pratos e promessas. Deus, em seu poema, não é distante, mas mora em quem aprendeu a doer sem perder o rosto, em quem levanta com uma flor que aprendeu a nascer no escuro da boca. É de uma beleza que nos atinge em cheio, que nos faz sentir menos sós em nossas quedas e mais potentes em nossos recomeços.
Parabéns por essa obra tão visceral e verdadeira. Ela nos lembra que, sim, ressurgir é um verbo que conjuga muito bem no feminino.
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