Eu caí.
Não como fruta madura,
mas como quem despenca com o corpo cheio —
fé, dentes, coragem e silêncio rachado.
A alma gemeu alto,
como madeira antiga sob a chuva.
Fiz o que as mulheres fazem quando desabam:
acendi o fogão como quem reacende o peito,
chorei sobre lençóis que não sabiam consolo,
rezei um Pai-Nosso com as mãos trincadas de raiva,
e segui —
lavando a roupa,
sonhando flor.
Não foi bonito.
Foi feio, suado, com gosto de fim.
Quis morrer,
mas fui esquentando aos poucos,
como leite no fogo baixo da esperança.
Então uma fresta acendeu a manhã.
Eu, ainda ali. Viva.
Meu corpo — esse templo vazando pelos cantos —
me sussurrou: vai.
Minhas mãos, cheias de calo e verso,
responderam: recomeça.
Não sei voar,
mas inventei asas com pano de prato, oração e insistência.
E fui.
Hoje, sou essa coisa:
mulher que já foi cinza,
e agora canta entre pratos e promessas.
Deus mora em mim
como mora em quem aprendeu a doer
sem perder o rosto.
Se me perguntarem quem sou,
digo:
sou aquela que caiu —
e levantou com uma flor que aprendeu a nascer no escuro da boca.