Luana Santahelena

Ressurreição é coisa de mulher

Eu caí.

Não como fruta madura,

mas como quem despenca com o corpo cheio —

fé, dentes, coragem e silêncio rachado.

A alma gemeu alto,

como madeira antiga sob a chuva.

 

Fiz o que as mulheres fazem quando desabam:

acendi o fogão como quem reacende o peito,

chorei sobre lençóis que não sabiam consolo,

rezei um Pai-Nosso com as mãos trincadas de raiva,

e segui —

lavando a roupa,

sonhando flor.

 

Não foi bonito.

Foi feio, suado, com gosto de fim.

Quis morrer,

mas fui esquentando aos poucos,

como leite no fogo baixo da esperança.

 

Então uma fresta acendeu a manhã.

Eu, ainda ali. Viva.

Meu corpo — esse templo vazando pelos cantos —

me sussurrou: vai.

 

Minhas mãos, cheias de calo e verso,

responderam: recomeça.

 

Não sei voar,

mas inventei asas com pano de prato, oração e insistência.

E fui.

 

Hoje, sou essa coisa:

mulher que já foi cinza,

e agora canta entre pratos e promessas.

 

Deus mora em mim

como mora em quem aprendeu a doer

sem perder o rosto.

 

Se me perguntarem quem sou,

digo:

sou aquela que caiu —

e levantou com uma flor que aprendeu a nascer no escuro da boca.