As máscaras de Jung

Hoje levantei-me com o sol,
Os seus raios cegaram-me pelas frestas dos meus estores;
Essa cegueira fez-me ver a luz matutina,
Fez-me sentir vivo por breves momentos.

Assim que a minha consciência desceu do mundo dos sonhos,
Procurei por três coisas:
Procurei por água,
Procurei pelo meu smartphone
E procurei pelas minhas máscaras.
Bebi a água e refresquei-me,
Vi as horas no smartphone para me guiar
E coloquei uma das máscaras, para mentir a mim mesmo e ao mundo.

Assim me torno em Héracles,
Pronto para os seus doze trabalhos.
Com a força de um semideus levanto-me da cama
E, tal como Héracles,
Troco o desconforto pelo sentido de responsabilidade.

Entro no metro,
Sarcófago de metal gigante;
O forte aroma do suor e o barulho à minha volta torturam-me,
Fazem-me amaldiçoar aquela viagem e todos os passageiros.
Já não sou Héracles,
Tornei-me no lendário Enlil!
Aquele que condena a humanidade.

Assim que entro no trabalho, coloco uma nova máscara:
A máscara de um deus mentiroso e trapaceiro.
Em Set me tornei,
Sou aquele que atraiu Osíris para o seu sarcófago.
Finjo simpatias e interesses com os colegas e clientes!
Mas, ao mesmo tempo, cuido para eu mesmo não entrar no sarcófago,
Pois outros Sets caminham neste mundo.

Volto ao metro, depois de um dia de guerra corporativa;
Coloco a máscara de Cérbero,
Tornando-me guardião da minha sanidade,
Afastando todos os que se tentam aproximar do cansado eu.
Que comigo ninguém fale!
Que nenhum pobre coitado me peça dinheiro!
Quero chegar a casa calado e só…

Chego a casa;
Vejo as horas no smartphone,
Tal como de manhã, bebo um copo de água.
Por fim, tiro a máscara e vejo-me ao espelho;
Só vejo abismo, um buraco sem fundo…
Deito-me na minha cama e sou consumido por esse abismo,
que é o meu próprio ser.
Então, adormeço, sabendo que amanhã serei novamente um panteão!