Quando o Espelho Quebrou, Eu Nasci

Luana Santahelena

Houve um tempo em que o espelho me engoliu.

Dei a ele meu rosto polido,

meus gestos decorados,

palavras suaves que não diziam nada.

 

Mas eu vivia atrás.

Atrás da moldura,

entre o que eu mostrava

e o que nunca ousavam ver.

Ali, no vão entre o gesto e o vazio —

morava eu.

 

A beleza me feria.

E ninguém sangrava comigo.

 

Até que o silêncio gritou mais alto que o aplauso.

Foi então que compreendi:

me enfeitar era morte lenta.

Desfazer-me era renascer.

 

Arranquei o disfarce com as mãos nuas.

E não fiquei exposta —

fiquei inteira.

 

Ser — e não parecer.

Amar — e não seduzir.

Olhar — sem suplicar retorno.

 

Hoje, enfim,

não preciso de reflexos.

Sou minha própria imagem,

em carne viva e alma acesa.

  • Autor: Bulaxa Kebrada (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 19 de junho de 2025 11:10
  • Comentário do autor sobre o poema: Ela se vestiu como quem borda feitiços — os olhos pintados de promessas, os lábios tingidos de espera. Caminhou entre vitrines como se o mundo inteiro fosse uma extensão do próprio reflexo. A vaidade, ali, era sua fada madrinha: ajeitava os fios, afinava os gestos, deixava tudo encantador… e caro. E ela pagava, em parcelas de silêncio, o preço de ser notada. Mas o que ninguém via era o peso que o brilho cobrava por dentro. Os sorrisos não duravam depois da maquiagem, e os olhares que a desejavam não ficavam para saber seu nome inteiro, suas cicatrizes, seus medos escondidos no armário junto com os saltos altos. Até que um dia, cansada de caber num manequim que não era o seu, ela despiu-se das encenações. Foi quando descobriu: quem a quer de verdade não precisa que ela brilhe — basta que ela seja. E ser, descobriu, é o único encanto que não perde validade. Desde então, ela sorri com a alma lavada. Ainda se enfeita, mas por gosto — e não mais por medo. Porque o amor que vale a pena não olha vitrines. Ele entra, senta, e quer conhecer quem mora atrás do espelho.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 15
  • Usuários favoritos deste poema: Sezar Kosta, Luana Santahelena


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