Houve um tempo em que o espelho me engoliu.
Dei a ele meu rosto polido,
meus gestos decorados,
palavras suaves que não diziam nada.
Mas eu vivia atrás.
Atrás da moldura,
entre o que eu mostrava
e o que nunca ousavam ver.
Ali, no vão entre o gesto e o vazio —
morava eu.
A beleza me feria.
E ninguém sangrava comigo.
Até que o silêncio gritou mais alto que o aplauso.
Foi então que compreendi:
me enfeitar era morte lenta.
Desfazer-me era renascer.
Arranquei o disfarce com as mãos nuas.
E não fiquei exposta —
fiquei inteira.
Ser — e não parecer.
Amar — e não seduzir.
Olhar — sem suplicar retorno.
Hoje, enfim,
não preciso de reflexos.
Sou minha própria imagem,
em carne viva e alma acesa.