Luana Santahelena

Quando o Espelho Quebrou, Eu Nasci

Houve um tempo em que o espelho me engoliu.

Dei a ele meu rosto polido,

meus gestos decorados,

palavras suaves que não diziam nada.

 

Mas eu vivia atrás.

Atrás da moldura,

entre o que eu mostrava

e o que nunca ousavam ver.

Ali, no vão entre o gesto e o vazio —

morava eu.

 

A beleza me feria.

E ninguém sangrava comigo.

 

Até que o silêncio gritou mais alto que o aplauso.

Foi então que compreendi:

me enfeitar era morte lenta.

Desfazer-me era renascer.

 

Arranquei o disfarce com as mãos nuas.

E não fiquei exposta —

fiquei inteira.

 

Ser — e não parecer.

Amar — e não seduzir.

Olhar — sem suplicar retorno.

 

Hoje, enfim,

não preciso de reflexos.

Sou minha própria imagem,

em carne viva e alma acesa.