O TROCO INVISÍVEL DE UM SORRISO

Sezar Kosta

Comprei pão.

O pão era quente — promessa que se desfaz entre dedos apressados no início da manhã.

O padeiro, distraído, esqueceu o troco na gaveta das miudezas,

mas me deu um sorriso:

esse gesto que não cabe na carteira,

mas pesa — silencioso — no bolso da memória.

 

Sigo pela rua,

tropeçando em pessoas,

em memórias que se acumulam como migalhas nos cantos dos dias.

Cada esquina: um acaso.

Cada rosto: estação onde, por vezes, não desembarcamos.

Alguns permanecem,

como o cheiro do pão invadindo as manhãs,

outros se desfazem,

pão fresco que desaparece antes do anoitecer.

 

Amizade —

essa palavra que resiste ao silêncio,

desafia a ausência,

atravessa o intervalo entre o que foi dito e o que ficou no ar,

rara como pão recém-saído do forno depois da noite ter caído,

como abraço inesperado,

palavra que repousa, cuidadosa,

no espaço exato entre a dúvida e o afeto.

 

Às vezes,

uma tristeza pequena, sem nome,

senta-se à mesa,

divide a última fatia sem cerimônia.

Aprendi a não expulsá-la,

a permitir-lhe abrigo breve,

pois viver é aceitar as visitas dos sentimentos

que não se pagam com moedas.

 

Talvez o segredo

seja olhar de novo o já visto:

o vapor do pão ainda morno,

o olhar que aquece a tarde,

o pássaro distraído no fio,

como quem desafia a pressa do tempo.

 

A felicidade —

suspeito —

é esse jeito de encarar o mundo de lado,

de encontrar beleza no trivial,

de amar o instante que se desfaz como fumaça,

as pessoas que aquecem a alma,

mesmo quando o pão esfria,

mesmo que o troco fique no balcão,

mesmo assim:

o troco invisível da vida.

  • Autor: Sezar Kosta (Offline Offline)
  • Publicado: 15 de junho de 2025 20:49
  • Comentário do autor sobre o poema: Comprei pão na padaria da esquina. O padeiro, distraído, esqueceu o troco, mas me ofereceu um sorriso. Pensei: há trocos que não cabem em moedas. Saí pela rua, reparando como os encontros são quase acidentais: tropeçamos em gente, lembranças, vontades. Alguns ficam, outros seguem. Amizades verdadeiras, dessas que resistem a silêncios e sumiços, são raras como pão fresco à noite. De repente, uma tristeza miúda se instalou, dessas que não têm nome nem motivo, mas se deixam ficar. Aprendi, com o tempo, que ela faz parte do pacote: viver é aceitar a visita desses sentimentos, sem expulsá-los à força. O segredo está em não perder a capacidade de se maravilhar com o trivial — um cheiro bom, um olhar amigo, um pássaro no fio. A felicidade, desconfio, é só uma questão de perspectiva. E, ao final do dia, os melhores momentos são aqueles em que nos permitimos amar — o mundo, as pessoas, a nós mesmos — apesar do pão que esfria e do troco esquecido no balcão.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 6
  • Usuários favoritos deste poema: Luana Santahelena, Sezar Kosta
Comentários +

Comentários1

  • Luana Santahelena

    A profundidade dos seus versos toca a alma.



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