Comprei pão.
O pão era quente — promessa que se desfaz entre dedos apressados no início da manhã.
O padeiro, distraído, esqueceu o troco na gaveta das miudezas,
mas me deu um sorriso:
esse gesto que não cabe na carteira,
mas pesa — silencioso — no bolso da memória.
Sigo pela rua,
tropeçando em pessoas,
em memórias que se acumulam como migalhas nos cantos dos dias.
Cada esquina: um acaso.
Cada rosto: estação onde, por vezes, não desembarcamos.
Alguns permanecem,
como o cheiro do pão invadindo as manhãs,
outros se desfazem,
pão fresco que desaparece antes do anoitecer.
Amizade —
essa palavra que resiste ao silêncio,
desafia a ausência,
atravessa o intervalo entre o que foi dito e o que ficou no ar,
rara como pão recém-saído do forno depois da noite ter caído,
como abraço inesperado,
palavra que repousa, cuidadosa,
no espaço exato entre a dúvida e o afeto.
Às vezes,
uma tristeza pequena, sem nome,
senta-se à mesa,
divide a última fatia sem cerimônia.
Aprendi a não expulsá-la,
a permitir-lhe abrigo breve,
pois viver é aceitar as visitas dos sentimentos
que não se pagam com moedas.
Talvez o segredo
seja olhar de novo o já visto:
o vapor do pão ainda morno,
o olhar que aquece a tarde,
o pássaro distraído no fio,
como quem desafia a pressa do tempo.
A felicidade —
suspeito —
é esse jeito de encarar o mundo de lado,
de encontrar beleza no trivial,
de amar o instante que se desfaz como fumaça,
as pessoas que aquecem a alma,
mesmo quando o pão esfria,
mesmo que o troco fique no balcão,
mesmo assim:
o troco invisível da vida.