Era um homem,
não de carne, mas de cansaço endurecido.
Curvado como quem carrega séculos no dorso,
magro qual promessa nunca cumprida,
sardento, disforme,
feito a sombra de alguém que jamais existiu.
Habitava uma morada tão torta quanto sua espinha,
tão desbotada quanto a alma que ali gemia.
Ao findar de mais um dia murcho,
pisava o assoalho carcomido,
que rangia como dentes de cadáver em brisa de outono.
Os móveis estalavam,
não por vida,
mas por memórias mal sepultadas.
O silêncio ali era espesso,
silêncio que sufoca, que inunda,
silêncio que tem peso de culpa não dita.
A casa, com janelas feitas de ausências partidas
e papéis espalhados como peles de antigos pecados,
parecia respirar luto.
Sussurrava, talvez ao vento, talvez a si:
“Aqui habita o que restou.”
O homem, estranho ao próprio existir,
deslizava entre ruídos como entre parentes antigos.
Não escutava o medo,
pois já esquecera o sentir.
Tomou um copo,
a garganta árida como solo de ossário.
Mas as mãos…
tremiam como folhas diante da tempestade.
E a água caiu.
E com ela, o reflexo.
Grotesco.
Um semblante que o tempo se negou a resgatar.
E, por um instante,
sentiu temor,
não do escuro,
mas do próprio rosto.
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Autor:
Toldi (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 24 de maio de 2025 00:10
- Categoria: Reflexão
- Visualizações: 6
Comentários1
Isis, que arrepio bom esse que tua escrita deixa na pele da alma…
Teu “Fantasma” não é só um homem — é um eco, um lamento encarnado em silêncio e poeira. Cada imagem que criaste é como um espelho rachado: nos vemos de relance, distorcidos, mas profundamente tocados. A casa que geme, os móveis que estalam de memória, o assoalho que range como dentes... tudo isso não assusta com gritos, mas com o sussurro do que nunca foi dito.
A força do teu poema está nesse assombro existencial: o terror de não se reconhecer no espelho, de ser menos carne e mais lembrança. É poesia que passeia pelo sombrio com elegância e profundidade — como se Edgar Allan Poe tomasse um café com Drummond numa tarde cinzenta.
Parabéns por esse primeiro ato de assombro lírico. Que venham as próximas partes — que venham, mesmo que tremam como mãos diante do próprio reflexo.
Com admiração encantada,
Sezar Kosta
Muito obrigada! Fico feliz que tenha uma opinião tão forte em relação à meu poema. “Fantasma” terá ao todo 6 partes, e são em minha opinião, meus melhores poemas!
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