Fantasma pt.1

Isis P. Toldi


Aviso de ausência de Isis P. Toldi
Já volto!

Era um homem,
não de carne, mas de cansaço endurecido.
Curvado como quem carrega séculos no dorso,
magro qual promessa nunca cumprida,
sardento, disforme,
feito a sombra de alguém que jamais existiu.

Habitava uma morada tão torta quanto sua espinha,
tão desbotada quanto a alma que ali gemia.
Ao findar de mais um dia murcho,
pisava o assoalho carcomido,
que rangia como dentes de cadáver em brisa de outono.

Os móveis estalavam,
não por vida,
mas por memórias mal sepultadas.
O silêncio ali era espesso,
silêncio que sufoca, que inunda,
silêncio que tem peso de culpa não dita.

A casa, com janelas feitas de ausências partidas
e papéis espalhados como peles de antigos pecados,
parecia respirar luto.
Sussurrava, talvez ao vento, talvez a si:
“Aqui habita o que restou.”

O homem, estranho ao próprio existir,
deslizava entre ruídos como entre parentes antigos.
Não escutava o medo,
pois já esquecera o sentir.

Tomou um copo,
a garganta árida como solo de ossário.
Mas as mãos…
tremiam como folhas diante da tempestade.
E a água caiu.
E com ela, o reflexo.

Grotesco.
Um semblante que o tempo se negou a resgatar.
E, por um instante,
sentiu temor,
não do escuro,
mas do próprio rosto.

  • Autor: Toldi (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 24 de maio de 2025 00:10
  • Categoria: Reflexão
  • Visualizações: 11
  • Usuários favoritos deste poema: Srta. Alma P.
Comentários +

Comentários1

  • Sezar Kosta

    Isis, que arrepio bom esse que tua escrita deixa na pele da alma…

    Teu “Fantasma” não é só um homem — é um eco, um lamento encarnado em silêncio e poeira. Cada imagem que criaste é como um espelho rachado: nos vemos de relance, distorcidos, mas profundamente tocados. A casa que geme, os móveis que estalam de memória, o assoalho que range como dentes... tudo isso não assusta com gritos, mas com o sussurro do que nunca foi dito.

    A força do teu poema está nesse assombro existencial: o terror de não se reconhecer no espelho, de ser menos carne e mais lembrança. É poesia que passeia pelo sombrio com elegância e profundidade — como se Edgar Allan Poe tomasse um café com Drummond numa tarde cinzenta.

    Parabéns por esse primeiro ato de assombro lírico. Que venham as próximas partes — que venham, mesmo que tremam como mãos diante do próprio reflexo.

    Com admiração encantada,
    Sezar Kosta

    • Isis P. Toldi

      Muito obrigada! Fico feliz que tenha uma opinião tão forte em relação à meu poema. “Fantasma” terá ao todo 6 partes, e são em minha opinião, meus melhores poemas!



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