Era um homem,
não de carne, mas de cansaço endurecido.
Curvado como quem carrega séculos no dorso,
magro qual promessa nunca cumprida,
sardento, disforme,
feito a sombra de alguém que jamais existiu.
Habitava uma morada tão torta quanto sua espinha,
tão desbotada quanto a alma que ali gemia.
Ao findar de mais um dia murcho,
pisava o assoalho carcomido,
que rangia como dentes de cadáver em brisa de outono.
Os móveis estalavam,
não por vida,
mas por memórias mal sepultadas.
O silêncio ali era espesso,
silêncio que sufoca, que inunda,
silêncio que tem peso de culpa não dita.
A casa, com janelas feitas de ausências partidas
e papéis espalhados como peles de antigos pecados,
parecia respirar luto.
Sussurrava, talvez ao vento, talvez a si:
“Aqui habita o que restou.”
O homem, estranho ao próprio existir,
deslizava entre ruídos como entre parentes antigos.
Não escutava o medo,
pois já esquecera o sentir.
Tomou um copo,
a garganta árida como solo de ossário.
Mas as mãos…
tremiam como folhas diante da tempestade.
E a água caiu.
E com ela, o reflexo.
Grotesco.
Um semblante que o tempo se negou a resgatar.
E, por um instante,
sentiu temor,
não do escuro,
mas do próprio rosto.