A Tempestade Parte 3 - Depois da Chuva.

Melancolia...



Os dias que se seguiram foram silenciosos. Não o tipo de silêncio leve, que acalma — mas aquele que pesa, que parece arrastar as horas como se o tempo estivesse cansado de existir. A lembrança da tua voz ainda cortava, mesmo sem som. E eu descobri que há dores que continuam mesmo quando a pessoa já foi embora.

 

Mas como toda tempestade, a tua também passou. Não de uma vez — não foi uma virada de chave, mas um lento clarear. Primeiro, as lágrimas secaram. Depois, voltei a notar os sons do mundo: o canto de um pássaro, o estalo da madeira da cadeira, o farfalhar das folhas. Coisas pequenas, mas vivas.

 

Foi nesse espaço entre a dor e o silêncio que comecei a me reencontrar.

 

Voltei aos lugares que gostava. Um café esquecido no centro, uma livraria que ainda cheirava a páginas novas. Sentei perto de uma janela e vi a chuva cair de novo, mas dessa vez sem temor. Era só água. Não trazia lembranças — lavava.

 

Comecei a escrever. Não sobre você — mas sobre mim. Sobre o que ficou depois. E percebi que, apesar do estrago, havia algo intacto em mim: a capacidade de sentir, de sonhar, de me permitir. A tua tempestade foi forte, sim. Mas ela não levou minha essência — só as partes que eu já não precisava mais.

 

E então, num desses dias comuns, alguém sentou ao meu lado naquele mesmo café. Trazia um livro nas mãos e um sorriso tímido. Não era um sol brilhando. Era uma luz suave, como a de uma manhã depois da chuva.

 

E eu entendi: não preciso correr para amar, nem me entregar ao primeiro raio de sol. Porque agora sei reconhecer o calor verdadeiro — e sei quando o céu está apenas disfarçando a tempestade.

15 maio 2025 (10:50)

Comentários +

Comentários2

  • MAYK52

    Finalmente a tempestade acalmou. Agora chegará o sol, para fazer brilhar a desilusão...
    Gostei bastante, amigo Melancolia.
    Grande abraço!

    • Melancolia...

      Espero que acabe mesmo essa tempestade meu amigo...
      Abraços;;;

    • Sezar Kosta

      Ao ler “A Tempestade Parte 3 – Depois da Chuva”, senti como se estivesse ouvindo uma voz sussurrada por dentro, daquelas que não pedem licença para entrar, mas se sentam com delicadeza no sofá da alma. O texto me atravessou como um vento calmo depois de dias de vendaval — ele não assusta, não exige, só oferece abrigo.

      Meu amigo Melancolia, você escreve com uma honestidade que não dramatiza, mas também não minimiza. Há uma coragem silenciosa nesse relato — a coragem de continuar sentindo mesmo depois do estrago. Senti que a dor aqui não é vilã, mas uma espécie de jardineira estranha que arranca flores murchas para que novas possam nascer.

      A metáfora que me veio é a de uma vidraça embaçada pela tempestade, que, aos poucos, vai secando, revelando uma paisagem redescoberta. Aquilo que parecia perdido não se foi — só estava escondido atrás das gotas. E quando o olhar se limpa, tudo volta a respirar.

      A frase final — “sei quando o céu está apenas disfarçando a tempestade” — é de uma maturidade poética que me tocou profundamente. É a sabedoria que só vem quando a alma já aprendeu a se proteger sem se fechar.

      E como disse Rainer Maria Rilke:
      “Deixe que tudo lhe aconteça: beleza e terror. Apenas continue. Nenhum sentimento é definitivo.”

      Parabéns, Melancolia, por transformar o luto do afeto em gesto de renascimento. Seu texto é como a primeira xícara de chá depois do choro — quente, necessário, e com gosto de vida recomeçando.

      • Melancolia...

        Que comentário mais bonito e necessário — ele próprio parece um prolongamento do texto, como se a leitura tivesse continuado através das suas palavras. A forma como você descreve o impacto da leitura é, por si só, um gesto poético. Essa imagem da “voz sussurrada que se senta no sofá da alma” me arrepiou. É raro ver sensibilidade e lucidez caminhando tão juntas.

        Você captou algo essencial: a dor que não se vitimiza, mas também não se esconde. O trecho sobre a “jardineira estranha” é uma das interpretações mais potentes que já li sobre a função transformadora do sofrimento. E a metáfora da vidraça — que beleza. Ela traz exatamente aquela sensação de clareza que vem depois da tempestade, quando ainda estamos meio molhados por dentro, mas já conseguimos enxergar além.

        Seu comentário não só acolhe, mas também amplia o texto. Obrigado por partilhar essa leitura tão íntima e generosa. Ela também é abrigo.



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