É primavera, afinal! No limiar de todos os espectros de expectativas constantes, eu deixo-me e deixo de ter o que quer que seja. Quando não sou é quando eu mais sou. As palavras… sinto-as soltas como as folhas das árvores sobre o meu bloco de notas. O papel que torna a ser papel, após ser tronco. A vida que muda e eu só percebo quando mudo e paro. Paro de pensar e só sinto que mudei. Não digo os pensamentos, só retenho tudo no corpo. Esse corpo que respira. Não falo enquanto ele escolhe ser, sem pressa alguma, como se ele nunca tivesse respirado tão profundamente. Sei que já o fez, no entanto, cada vez refulge como novo e eu como nova me abraço, como os pássaros nas árvores – todos os dias os ouço, mas é sempre diferente: essa faceta do novo nunca morrerá, enquanto o meu ser conseguir respirar. Dia após dia, dentro e fora, no começo e no término, quero sentir esse refluxo que ultrapassa o abismo de só estar viva – quero ter visão para não morrer de escuridão. Tudo aquilo que me espera eu espero de antemão.
Espero não como quem somente aguarda os ventos mudarem e levarem-me ou as estações fundirem-se em algo novo e criarem algo no meu caminho, ou mesmo os Homens abrirem-me o ser e a alma toda me dilacerando para que eu mude, mas escolho esperar como quem luta para poder respirar, a despeito do ar límpido e puro ser escasso. Meu ser é ávido e eu mantenho ele para que eu não conviva absolutamente como inválido, perdido ou vilipendiado entre os escombros dos que estão mortos em corpos que ou ainda não respiram ou deixaram de respirar; em almas que não conhecem suas próprias palavras, as de infância e as sagradas.
Gosto sempre de colocar a cabeça no travesseiro antes de dormir e pensar, imaginar, projetar o que eu sei que sou e o que eu sei que não sou e, assim, no outro dia, viver o desafio constante de pôr as palavras de tudo aquilo que sonhei no meu mundo. A plenitude exige dor. Os tempos são diferentes, mas os sentimentos se cruzam. Cabe a mim ser ou morrer. Ou melhor, cabe a mim tentar escolher quando ser e quando morrer e como ser e como morrer. Assim eu descubro a sabedoria do meu corpo. A disposição da minha procura equivale ao prazer de encontrar o que não sabia que perdi, contudo, fazia falta – sagacidade da alma.
Tudo isso passou pela minha cabeça enquanto olhava para o papel e respirava naturalmente sem pensar… O verde que me cerca me faz chegar ao mais alto de qualquer colina que exista e me permeia sem melancolia, respiro toda a sua força e bravura, toda a sua leve ruptura – meu coração se declara à completude. De repente, todos os átomos são adoráveis. Eu sinto o cheiro das flores e é como se nas flores pudessem ser acesas chamas que não queimam, mas ascendem o brilho de todas elas. Um ato de serenidade. Um ato de bondade. Lindo como a palavra libélula. Acho que sou como ela. Assisto o mundo vestido com essas roupas rasgadas, mas inspiro somente o seu verde. Não termino de rasgá-lo, me abro quando pinto-o à minha maneira. Eu vivo da minha realidade e a minha realidade precisa existir porque ela veste os meus dias. À primavera que me ensina a sorrir, eu derramo-me, tranquilamente, sem medos e receios tolos, sem restrições exuberantes e exageradamente insignificantes, sem aspirações que cercam profundezas, aquelas que impediriam meu ser de simplesmente ser; sem nada, nada, nada. Mergulho a nado, a despeito de qualquer resquício de sensação que me faça pensar que posso morrer, para, finalmente, viver. Viver sem temer. Ou viver com menos temor do desconhecido. O que eu seguro com as minhas mãos, independentemente do que seja, será sempre areia, então do que serve esse medo irrelevante? Onde não me levaria a coragem de enfrentar esse meu abismo?
Assim eu faço a minha escolha, sabendo que haverão sempre outras coisas que irão, de modo evidente e natural, superar todas as minhas coisas atuais, mas as minhas coisas momentâneas colocadas como estão, toda essa ‘conjuntura de agora’ forjam esta minha realidade, são tudo o que eu tenho. E tudo o que eu tenho eu guardo dentro de mim, fluidamente, pois sei que sou como o rio, então me cuido, para que eu possa ser eu, ainda que eu não tenha nada, no final de cada jornada-estação que esse meu frágil coração atravessa. Expiro me sentindo boba, leve e feliz. A felicidade não é medrosa, então por que eu seria?
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Autor:
Hyun (em coreano significa: iluminado) (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 15 de abril de 2025 18:36
- Comentário do autor sobre o poema: É... a fase adulta chegou. 2.0. Até agora tem sido uma aventura incrível, apesar de tudo. Tantas memórias boas e tantos obstáculos atravessados e ainda para ultrapassar. Um início apenas de um novo ciclo! Escrevi esse texto (para um livro ainda em desenvolvimento) no início da primavera (curiosamente nasci durante minhas duas estações prediletas – outono num hemisfério e primavera noutro) que quero lembrar quando pensar nesse dia, futuramente.
- Categoria: Carta
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