O RIO QUE NÓS SOMOS

Sezar Kosta

No início, há um murmúrio.

O rio desperta tímido entre pedras,

um fio de prata que corta a terra,

escorrendo pelo ventre do mundo.

Há uma promessa no seu fluir,

como quem canta sem saber ao certo

o peso do destino que carrega.

 

Na curva da manhã, somos correnteza.

A luz brinca sobre a água,

que dança entre margens verdes,

e, por um instante, tudo parece eterno.

Mas logo vem o vento,

erguendo folhas em espirais de adeus,

e o rio, mesmo em sua pressa,

não escapa das sombras que o cercam.

 

Somos também a queda.

O som do impacto contra o vazio

é um grito surdo —

não de dor, mas de transformação.

A cada salto, despedaçamos o que éramos,

desaguamos em pedaços,

até que o caos nos refaça.

E percebemos:

não há escolha

senão seguir.

 

Entre as margens do tempo,

carregamos histórias:

os galhos que nos feriram,

os reflexos que nos amaram.

Mas o rio não guarda rancor,

e avança, mesmo turvo,

na direção do horizonte que nunca toca.

 

E como a lua,

que espia a superfície em fases,

aprendemos que a mudança

não é um inimigo,

mas uma dança de formas.

Sangramos na cheia,

renascemos na vazante,

e descobrimos que até o silêncio

é uma forma de movimento.

 

No fim, somos mar.

O rio que fomos se dissolve

no sal da eternidade.

Já não há curvas, nem quedas,

apenas a vastidão que nos acolhe,

como se tudo o que fomos

sempre soubesse

que seríamos parte do todo.

 

Então, ao temer o amanhã

ou lamentar o ontem,

lembra-te do rio:

que não cessa,

não hesita,

não se prende ao que foi.

Pois a vida é isso:

um fluir incessante,

e na aceitação do fluxo,

o verdadeiro encontro com a paz.

  • Autor: Sezar Kosta (Offline Offline)
  • Publicado: 2 de março de 2025 23:05
  • Comentário do autor sobre o poema: Sabe aquele momento em que você se perde nos próprios pensamentos, meio como um rio tentando entender o que é ser rio? Pois é, eu estive nessa. O texto que você vai ler, "O Rio Que Nós Somos", surgiu dessa dúvida, dessa busca sobre o que é fluir sem saber exatamente para onde estamos indo. A ideia foi pensar no rio como uma metáfora da vida, da transformação constante que, mesmo sem querer, nos move e nos molda. Eu comecei a escrever pensando em como, assim como o rio, não conseguimos controlar todos os passos, mas podemos confiar no que está acontecendo. E, cá entre nós, quem não sente que, às vezes, a vida é um rio desgovernado, não é? Me conta aí o que você acha, adoraria ouvir suas impressões nos comentários!
  • Categoria: Não classificado
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