Sezar Kosta

O RIO QUE NÓS SOMOS

No início, há um murmúrio.

O rio desperta tímido entre pedras,

um fio de prata que corta a terra,

escorrendo pelo ventre do mundo.

Há uma promessa no seu fluir,

como quem canta sem saber ao certo

o peso do destino que carrega.

 

Na curva da manhã, somos correnteza.

A luz brinca sobre a água,

que dança entre margens verdes,

e, por um instante, tudo parece eterno.

Mas logo vem o vento,

erguendo folhas em espirais de adeus,

e o rio, mesmo em sua pressa,

não escapa das sombras que o cercam.

 

Somos também a queda.

O som do impacto contra o vazio

é um grito surdo —

não de dor, mas de transformação.

A cada salto, despedaçamos o que éramos,

desaguamos em pedaços,

até que o caos nos refaça.

E percebemos:

não há escolha

senão seguir.

 

Entre as margens do tempo,

carregamos histórias:

os galhos que nos feriram,

os reflexos que nos amaram.

Mas o rio não guarda rancor,

e avança, mesmo turvo,

na direção do horizonte que nunca toca.

 

E como a lua,

que espia a superfície em fases,

aprendemos que a mudança

não é um inimigo,

mas uma dança de formas.

Sangramos na cheia,

renascemos na vazante,

e descobrimos que até o silêncio

é uma forma de movimento.

 

No fim, somos mar.

O rio que fomos se dissolve

no sal da eternidade.

Já não há curvas, nem quedas,

apenas a vastidão que nos acolhe,

como se tudo o que fomos

sempre soubesse

que seríamos parte do todo.

 

Então, ao temer o amanhã

ou lamentar o ontem,

lembra-te do rio:

que não cessa,

não hesita,

não se prende ao que foi.

Pois a vida é isso:

um fluir incessante,

e na aceitação do fluxo,

o verdadeiro encontro com a paz.