No início, há um murmúrio.
O rio desperta tímido entre pedras,
um fio de prata que corta a terra,
escorrendo pelo ventre do mundo.
Há uma promessa no seu fluir,
como quem canta sem saber ao certo
o peso do destino que carrega.
Na curva da manhã, somos correnteza.
A luz brinca sobre a água,
que dança entre margens verdes,
e, por um instante, tudo parece eterno.
Mas logo vem o vento,
erguendo folhas em espirais de adeus,
e o rio, mesmo em sua pressa,
não escapa das sombras que o cercam.
Somos também a queda.
O som do impacto contra o vazio
é um grito surdo —
não de dor, mas de transformação.
A cada salto, despedaçamos o que éramos,
desaguamos em pedaços,
até que o caos nos refaça.
E percebemos:
não há escolha
senão seguir.
Entre as margens do tempo,
carregamos histórias:
os galhos que nos feriram,
os reflexos que nos amaram.
Mas o rio não guarda rancor,
e avança, mesmo turvo,
na direção do horizonte que nunca toca.
E como a lua,
que espia a superfície em fases,
aprendemos que a mudança
não é um inimigo,
mas uma dança de formas.
Sangramos na cheia,
renascemos na vazante,
e descobrimos que até o silêncio
é uma forma de movimento.
No fim, somos mar.
O rio que fomos se dissolve
no sal da eternidade.
Já não há curvas, nem quedas,
apenas a vastidão que nos acolhe,
como se tudo o que fomos
sempre soubesse
que seríamos parte do todo.
Então, ao temer o amanhã
ou lamentar o ontem,
lembra-te do rio:
que não cessa,
não hesita,
não se prende ao que foi.
Pois a vida é isso:
um fluir incessante,
e na aceitação do fluxo,
o verdadeiro encontro com a paz.