Crônica de uma tarde quente

Leonardo Ramos


Aviso de ausência de Leonardo Ramos
NO

Crônica de uma tarde quente

Hoje li uma crônica de Clarice. Inspirado, decidi tentar escrever uma. Claro, o talento é contagioso. Duas xícaras de café depois, me dispus a começar. Café quente em um mundo mais quente. Aquecimento, poluição, desmatamento desenfreado. Desordem.

 

Desordem na minha cabeça e no asfalto lá fora. Meu vizinho cortou a árvore que fazia sombra, que trazia aquele vento bom — um raro visitante do cerrado. Não posso reclamar, estava na área dele. Mas perdi uma companheira. Gostava de observar suas folhas dançando ao vento, de vê-la se curvar sob a chuva de verão. Progresso. Agora ele pode plantar um carro a mais na garagem.

 

Pequena pausa. Preciso de mais um café. A safra do ano passado foi perdida, e o preço disparou. Não procurei entender as causas; só sei o que ouvi por aí. Pode ser verdade, pode ser um mal-entendido, como tantos que circulam no país. Drummond escreveu: esse povo quer me passar a perna. Bem, pode ser uma afirmação justa, vou buscar a xícara.

 

Voltei. Café a postos, gole dado. Estou pronto. Mas me pergunto: isso se parece com uma crônica? Nada do que faço, faço bem. Em tudo que me meti, fui medíocre. Esportes, arte, poesia… tentei, mas a poesia me rejeitou. Música? A preguiça não ajudou. Agora, mais velho, com as perdas mais próximas, perco o interesse mais rápido.

 

Ano de muitas perdas. O produtor perdeu a safra, o relógio perdeu o compasso, a moeda perdeu o valor. Eu perdi interesses. A árvore. Dois amigos.

 

Um deles se foi sem que eu soubesse. A notícia chegou tarde. Amigo de infância, seguiu um caminho sem volta. Dizem que foi por escolhas erradas. Não julgo. Que a próxima vida lhe seja melhor.

 

O outro era mais próximo. Amigo da adolescência, da vida adulta. Decidiu que não queria mais estar aqui e se despediu. Deixou a porta aberta, como se fosse voltar. Não voltou. Ele, sim, tinha talento. Criava versos, composições — Antares Cai em Mim. Uma mente genial, sufocada por fatores mundanos.

 

Queria eu ter perdido apenas a preguiça.

 

Agora são 13h29. A tarde está calma e silenciosa. Faz calor, apesar das nuvens que ensaiam uma chuva preguiçosa. Domingo tedioso. Amanhã, tudo igual, com leves reajustes na conta de luz.

Tenho que ir.

A quem ler isto, desejo muitos ganhos. Que aprendam com as perdas nesse progresso estéril.

Até breve.

 

Leonardo Ramos

 

 
  • Autor: Leonardo Ramos (Offline Offline)
  • Publicado: 9 de fevereiro de 2025 15:22
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 7


Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.