Hoje li uma crônica de Clarice. Inspirado, decidi tentar escrever uma. Claro, o talento é contagioso. Duas xícaras de café depois, me dispus a começar. Café quente em um mundo mais quente. Aquecimento, poluição, desmatamento desenfreado. Desordem.
Desordem na minha cabeça e no asfalto lá fora. Meu vizinho cortou a árvore que fazia sombra, que trazia aquele vento bom — um raro visitante do cerrado. Não posso reclamar, estava na área dele. Mas perdi uma companheira. Gostava de observar suas folhas dançando ao vento, de vê-la se curvar sob a chuva de verão. Progresso. Agora ele pode plantar um carro a mais na garagem.
Pequena pausa. Preciso de mais um café. A safra do ano passado foi perdida, e o preço disparou. Não procurei entender as causas; só sei o que ouvi por aí. Pode ser verdade, pode ser um mal-entendido, como tantos que circulam no país. Drummond escreveu: esse povo quer me passar a perna. Bem, pode ser uma afirmação justa, vou buscar a xícara.
Voltei. Café a postos, gole dado. Estou pronto. Mas me pergunto: isso se parece com uma crônica? Nada do que faço, faço bem. Em tudo que me meti, fui medíocre. Esportes, arte, poesia… tentei, mas a poesia me rejeitou. Música? A preguiça não ajudou. Agora, mais velho, com as perdas mais próximas, perco o interesse mais rápido.
Ano de muitas perdas. O produtor perdeu a safra, o relógio perdeu o compasso, a moeda perdeu o valor. Eu perdi interesses. A árvore. Dois amigos.
Um deles se foi sem que eu soubesse. A notícia chegou tarde. Amigo de infância, seguiu um caminho sem volta. Dizem que foi por escolhas erradas. Não julgo. Que a próxima vida lhe seja melhor.
O outro era mais próximo. Amigo da adolescência, da vida adulta. Decidiu que não queria mais estar aqui e se despediu. Deixou a porta aberta, como se fosse voltar. Não voltou. Ele, sim, tinha talento. Criava versos, composições — Antares Cai em Mim. Uma mente genial, sufocada por fatores mundanos.
Queria eu ter perdido apenas a preguiça.
Agora são 13h29. A tarde está calma e silenciosa. Faz calor, apesar das nuvens que ensaiam uma chuva preguiçosa. Domingo tedioso. Amanhã, tudo igual, com leves reajustes na conta de luz.
Tenho que ir.
A quem ler isto, desejo muitos ganhos. Que aprendam com as perdas nesse progresso estéril.
Até breve.
Leonardo Ramos