Gourmet

Marçal de Oliveira Huoya

Se há coisas que exigem véus, são os véus que despertam a curiosidade e a perdição. Quais coisas não se pode saber pois estão rigorosa e hermeticamente ocultas em cada cabeça, cada consciência, cada forma de pensar. Que espécie de pensamentos proibidos são guardados, confinados, escondidos e não revelados ao mundo por constrangimento e pela vergonha (pelo simples fato de estarem lá), valores morais, convenções sociais, mantos, amarras, correntes, tantos ardis dissimulados esforçadamente tentam conter um prisioneiro perigoso, que, de quando em vez aflora feliz com a súbita liberdade, escapa, sai para passear, mexe e incomoda o arcabouço da virtude, desencadeando a liberação de torvelinhos de hormônios conhecidos e outros tantos misteriosos, ainda desconhecidos, atribulando o espírito causando imenso prazer e culpa, num grau maior ou menor a depender do substrato humano, da arrumação ao acaso de cadeias de aminoácidos, de um alfabeto biológico acidental ou predeterminado (mistério indecifrável), nomes que lhe atribuem, o instinto, o inconsciente, um caleidoscópio de atitudes associado a crenças do que foi ensinado ou do que se aprendeu, um caldo denso e abundante de fatores e circunstâncias que tornam o comportamento humano único e imprevisível, se resumem a um intervalo de tempo infinito entre duas sentenças, do fazer e do não fazer. Subitamente ressurge a mesma sensação de uma criança ávida de curiosidade e aventura que salta um muro, interdito desafiador, subindo em galhos altos quebradiços e traiçoeiros, na busca do sabor de uma fruta que não lhe pertence em um terreno perigoso e proibido, meramente uma mesma fruta, igualzinha sem tirar nem pôr, que pode comer sem sobressaltos oferecida pelas mãos confortáveis e seguras do cotidiano doméstico, mas cuja empreitada sinistra e eletrizante cria essa sensação para tornar na sua mente a missão possível em impossível, aumentando assim o prazer da conquista, lhe faz atribuir àquela iguaria um sabor exótico e original. Eis o sabor da vida. O erotismo que os outros animais ignoram (assim parece), se revela na natureza humana, se descobre, a gastronomia da luxúria, o homem gourmet da profanação.

  • Autor: Vênus (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 12 de outubro de 2024 20:42
  • Categoria: Reflexão
  • Visualizações: 6
Comentários +

Comentários1

  • Lilian Fátima

    O erotismo ganha esse tom romântico e gracioso com a escrita zelosa e caprichosa. Gostei demais.



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