Os velhos andavam pelas ruas em seus passos lentos e habituais, arrastados. Sem pressa, era uma boa forma de dar uma explicação resumida daquele caminhar. Antes de tudo, sem pressa. Como quem por mil vezes antes o tenha feito que esse correr já não faça mais tanto sentido, como quem tenha descoberto da pior forma. Só eles sabem se o seu presente é o que procuravam.
Ela duvidava que o fosse.
Mas isso não importava, talvez para eles, e não por muito tempo, também. Um dia um jovem os olha e pensa na fragilidade, mas é uma sensação distanciada, uma intriga esporádica. Um dilema postergado até o limite, e, assim o seria, de toda forma, afinal a velhice sempre pode ser maior ou menor em comparação. Ela não queria ser velha como eles, era a única certeza que carregava consigo naquela tarde amena de segunda-feira. Cada dia parecia tão difícil que viver sessenta anos parecia inferno maior àquele ao qual se condenaria.
— Perdida? — uma voz cortou o estardalhaço cotidiano, insistentemente ignorado por seu cérebro, mas sempre lá — Não sei se alguém vai vir por lá. — a dona da voz apontou para onde encarava e por um instante ela pensou quanto tempo passou ali, parada diante da faixa de pedestres entre o semáforo e uma banca de jornais olhando sem ver a multidão passar. — Não há nada lá.
— Hã...? Não, é que — balbuciou cada vez mais enrolada tentando colocar as palavras em ordem e decidir entre uma pergunta e um pedido de desculpas, sem resposta.
Virou-se seguindo a mão que ainda apontava procurando pelo corpo e logo o rosto que a mirava, os olhos de encontro aos seus; a boca dona da voz que a interpelara.
Não havia nada ali.
Girou atordoada procurando aonde ela poderia ter ido. Ela estava bem ali. Estava.
No vento suas palavras ainda ecoavam:
— Não há nada lá.
Seus olhos confusos voltaram a encarar o outro lado da rua e por um instante ela não mais pode acreditar na veracidade da sua capacidade de o fazê-lo. Nada havia, nada lá.
Caiu para trás, o peito ofegante enquanto se afastava lentamente se arrastando para cada vez mais longe da rua, o beiral da calçada como um limite claro entre ela e o espaço limiar que se estendia adiante. De fato, a velhice sempre pode ser maior ou menor em comparação. A vida que corre nas veias dos homens, durante o tempo que o fizer garante isso. A morte sempre foi o ponto final.
O nada sempre foi o seu ponto final, ela pensou conhecer ele de perto, como um velho amigo que a abraça quando não há mais ninguém por perto. Ela não conhecia o vazio.
Não queria conhecer.
O semáforo piscou no canto do seu campo de visão chamando sua atenção. Vermelho, pare. Traduzia os seus sentimentos. Seu corpo todo estava paralisado e ela não conseguia se mexer, nem se quisesse. Ela queria.
Vermelho
Vermelho
Vermelho
Vermelho
Vermelho
Ver...
... de repente o mundo a sua volta se acendeu e ela se levantou em disparada, correndo com tudo que tinha sem olhar mais para trás. Quando abriu os olhos sentiu as lágrimas que invadiam involuntariamente a sua face e percebeu que ainda estava de pé sobre a calçada. Suas mãos tremiam e ela já não sabia mais o que era real ou não, tocou os seus dedos e apertou, até que doessem. O sinal ficou verde, quanto tempo estava ali?
Os velhos andavam pela rua, os jovens corriam uns atrás dos outros com pedaços de lixo enquanto meninas se ajuntavam em grupinhos dando gritinhos exagerados e sendo fitadas em reprovação por adultos que passavam por ali, desgostosos de si mesmos vistos neles. Um homem andava em sua direção. O que ela estava procurando?
— Perdida?
Ignorou, assustada pendulou entre um andar para trás e para frente, ao mesmo tempo. Mantendo-se de pé somente por uma mão que tocara suas costas.
— A gente nunca sabe quando ela vai chegar.
O semáforo, agora aberto, permitia que a multidão do outro lado da rua viesse em sua direção. Todos a olhavam nos olhos e a mão que pareceu a segurar e manter de pé agora parecia pesada.
Não respondeu a voz que divagava.
— A gente sempre quer escolher, mas é tudo uma ilusão.
Sua mente tentava focar em todos aqueles olhares que a miravam, notou, porém, eles a atravessavam. Pareciam sempre se focar em algo atrás dela, eram temerosos.
— Não se pode ignorar ele, sabe? Não se pode fugir. — silêncio, um convite.
— Por isso não é uma escolha.
— Você entendeu. — disse por fim.
— Não há nada ali.
Ela não se virou mais pode sentir no ar que a voz assentira aquela resposta, a mão desapareceu e ela sentiu o mundo se desfazer a sua volta, o chão sendo puxado sob os seus pés feito um grande tapete enquanto a multidão que vinha, indiferente, a dragava. O limiar da calçada que antes fora uma muralha se tornava um abismo e quando a multidão enfim se espalhou não havia nada ali.
Nada para lembrar.
- Autor: Carlos Lana (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 21 de janeiro de 2024 00:05
- Categoria: Surrealista
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