Porosidade - Apperzipieren (perceber)

Letícia Alves



Desbotando as cores até aproveitar o melhor do seu vívido tom.
Sugando a 'coloratura' dos pingos que restam na paisagem
inteirada, empoeirada, donde só aparenta não sobrar mais nada.
Contudo, há sempre algo. Algum resquício do inefável que me
sonda e analisa interiormente; arrefecendo o calor dos
movimentos bruscos; restaurando a brisa sutil e o verde musgo.

Quadros de casa com rostos que vão envelhecendo conforme
o tempo cria mais segundos... e não para. Nem mesmo em mim,
pois em cada pensamento o segundo é traspassado, mas não me é
roubado; não posso paralisá-lo, pois fazê-lo ter um fim é
pôr um fim a mim mesmo. É um defeito bem-feito.

Sinto saudades desse lar de sorrisos afetuosos que me abraça,
enquanto pairo sobre todas as reminiscências desse estado
que me dissolve no entardecer, como se estivesse começando
a amanhecer, a construir nova cidade, sentindo nova alvorada.
É uma entrega natural que só o amor é capaz de carregar.

O amor no nosso peito pelas pessoas, pela vida breve, pelo
céu que verte os ventos frios da noite escura em aves que
cantam pelo cais da eternidade. Sem nada que fazer
tentamos contar as estrelas e esquecemos o pensamento
noutro lugar. Deixamos cair o braço e abrimos os olhos
das coisas perdidas.

O silêncio da onda que se ergue no mar é desprendido – abre-se.

É exatamente nesse jardim secreto que a porosidade da
palavra se esconde; refugia o eu refugiado; refulge; surge
como fonte; urge no onde da alma e não me esconde nada.
Ela cria imprevistos que o poeta vê; impressões sublimes,
admiráveis aspirações que transporta tudo que está aqui
dentro até que tudo isso transborda. Na porosidade não
existem mais bordas, limites ou formas tortas. Tudo advém.

Aporta. À porta estão as recordações que choram, mas são
já incolores. A cor já se desgastou. Aporto o novo e o seu final;
Aborto a fuga. Fico e findo. A existência da porosidade é
reflexo dos pensamentos que vieram. E nós? Partimos
campo à fora. Agora o campo já se desmanchou e o
pensamento foi-se com os ventos perdidos.



  • Autor: Hyun (em coreano significa: iluminado/inteligente) (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 2 de agosto de 2023 12:36
  • Comentário do autor sobre o poema: Após concluir a leitura 'Um filósofo em Nápoles' a palavra porosidade agregou muito o seu significado para mim e logo que pude resolvi escrever o que, em suma, é um reflexo do cerne dos meus textos, do porquê escrevo e das aprendizagens que obtive desse livro. Inclusive, requisitei ele na biblioteca do meu bairro sem querer, mas, no final, acabou sendo uma leitura muito prazerosa, que fomentou ainda mais o pensamento filosófico em mim e que me fez respirar mentalmente; abrir ainda mais a visão para as 'insignificâncias'. Esse texto já estava escrito há um tempinho, mas posto ele hoje após o reler e sentir que ele se fez, de novo, para mim. Sempre bom (re)significar as coisas; limpar a visão do óculos embaçado. haha Espero que sintam-no!
  • Categoria: Reflexão
  • Visualizações: 17
  • Usuários favoritos deste poema: Letícia Alves
Comentários +

Comentários1

  • Maria dorta

    E uma prosa poética densa, mas com muita substância e mesmo de jeito inusitado, o modo apresentado pelo texto faz' nos pensar em um poema de formatação abstrata,fora dos padrões mas tem conteúdo poético.



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