MEMÓRIAS FEITAS DE PAREDES, JANELAS E TELHADO

joaquim cesario de mello

 

Será que a casa em que morei pequeno com meus pais

ainda se lembra de mim

daquele menino magro de costelas à mostra

de cabelos rigorosamente penteados

sempre de calças curtas acima dos joelhos

que brincava sozinho na imensidão dos corredores

onde lá deixou sua única e remontada infância?

 

Será que em suas paredes engorduradas de décadas

manteve no escapar vaporoso dos anos

as marcas dos meus dedos encardidos de criancices

sujando de inocências a brancura dos tijolos tingidos

como um pré-histórico nômade doméstico

a pincelar de pinturas rupestres a sua passagem no tempo?

 

Será que suas solapadas fendas e discretas frestas

conservam os tesouros que ali enterrei

caprichosamente embrulhados dentro de um baú de sonhos

como aquelas conchas e os búzios que trouxe da praia

naquela furtada tarde de um sábado de novembro?

 

Será que suas abertas janelas verdes de madeira

reconhecerão por detrás deste corpo gasto

o garoto que nas noites em claro nelas debruçado

olhava espantado o néon azulado dos fogos fátuos

que emanavam do cemitério que lhe ficava à frente?

 

Será que as telhas do telhado que me acobertaram

até hoje recordam dos meus aniversários

nos quais a cada ano as velas aumentavam

no desaparecer gradual da minha meninice?

(Não sabia que aniversários eram celebrações de despedidas)

 

Será que a casa em que morei pequeno com meus pais

ainda se lembra de mim?

 

  • Autor: joaquim cesario de mello (Offline Offline)
  • Publicado: 2 de fevereiro de 2023 07:44
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 14


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