da nossa classe

Julia Vasconcelos

das tantas coisas que eu senti hoje:

 

no início do dia, remotamente

quase que máquina

de lavar, de passar, de viver, sobreviver

de entrar no onibus, de sair, de dar bom dia e sorrir, de olhar pra janela e sentir

também a dor, nas costas e na cor

dos olhos, das faces, no corpo e na face do operário.

depois no trabalho senti sono, senti raiva de o sentir, raiva da insônia que me tira tanto do dia

me tira tanto a capacidade 

de ir fundo, deixa meus olhos fundos, cinzentos, embriagados

do amanhã.

depois senti fome enorme

de tanta coisa, tanta vida

senti cansaço de todos esses tipos que conhecemos

mas logo vida me traçou 

com as idas e vindas e quase que obrigatoriamente o contratempo me trouxe um sorriso leve, carinho sólido

como uma excessão aos dias cinzas

o estar entre os meus 

abraçou minha insônia

sorriu pra minha carisma

matou minha fome de pertencer

tardou minha ida

mas por fim, adoçou minha vinda

e vida, miúda e tão grande

 

depois, como esperado dentro disso, a realidade nua e crua

sufocante e desesperadora.

perder o ônibus foi como água para um pulmão valente tentando respirar, era eu, tentando viver

o medo, a incerteza, e os instantes que já são horas.

peguei ônibus errado, mas qualquer lugar é errado

nós mulheres, sabemos.

fechei os olhos, o peito doía, a garganta ardia, as mãos, claro, tremiam, o coração quase não batia.

 

peguei Uber, pensando: "moço eu só quero chegar em casa" 

quantas pensaram como eu e não tiveram minha mesma sorte

de chegar e bom, estar segura

só queria que parir, trabalhar, estudar, ir e vir, estar e falar fosse seguro

 

dentro dessa sistema, mulher, preto e pobre não tem vez, é isso, mas não só isso

ainda tenho quem esteja por mim, por nós. 

Um dia todas seremos livres e todos nós também seremos.

das garras do estupro, do machismo, do preconceito e do capitalismo.

que marcam qualquer pele

que sangram qualquer ferida

que rasgam qualquer roupa

que dilaceram em qualquer lugar

em qualquer hora 

e a hora com o tempo vê a mais pesada clara e salgada Lágrima da Rosa

mas das rosas ocoam o grito de cima dos ombros da grande e maior Rosa, a Luxemburgo. 

Socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres

Ainda bem que tenho quem esteja por mim, e estarei de pé e com o punho erguido por todos.

  • Autor: Julia Vasconcelos (Offline Offline)
  • Publicado: 31 de janeiro de 2023 23:47
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 8
Comentários +

Comentários1

  • Inconfidente42

    Parabéns por expressar tão bem essa "Doce Selva cotidiana", repleta de dramas, contratempos e poesias!!



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