\ Desconforto \

Altofe

 

Desconforto

 

o cão que late na calçada

a criança chora sem parar

o carro buzina na esquina

o alarme que teima em gritar,

os sinos da igreja doem nos ouvidos

a fumaça arde na garganta

o tempo abafado me faz

sufocar na fuligem e no desespero,

no pescoço me aperta o nó da gravata

o sal do suor arde em meus olhos

o calor que brota do asfalto

derrete a sola dos meus sapatos

o pesadelo por onde vou me acompanha

e a enxaqueca me faz sentir

todo o sol que queima minha cabeça,

os pensamentos se confundem com lembranças

enquanto sangra o meu nariz,

a fome dói em meu estômago

a sede seca a minha língua,

não fujo porque arrasto o inferno por onde ando

sempre falo demais e de tudo que digo e repito

pela boca maldita que só quer enganar

revelando mentiras com falsas verdades,

agora como castigo essa boca não consegue

sequer um pedido de ajuda balbuciar,

porque já sofro com a faca em brasa queimando meu peito

e sinto gosto de sangue na boca e o cheiro de podre no ar,

com o braço adormecido e as pernas arqueando

agonizo aos pés de transeuntes indiferentes

na calçada escaldante e empoeirada

já sei que a ambulância atrasará no engarrafamento

e nem consegui pagar o boleto atrasado,

enquanto infarto olho a bituca ainda acesa ao meu lado

e em meu derradeiro pensamento percebo,

que minha vida foi tão estúpida e insignificante

quanto a minha morte, solitária e sem glória.

  • Autor: Altofe (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 16 de fevereiro de 2022 07:36
  • Comentário do autor sobre o poema: É um texto experimental produzido descrevendo imagens cotidianas, com o propósito de causar os sentimentos de incômodo e desconforto no leitor, que é o geralmente o oposto da intenção da maioria dos poemas, se conseguir provocar o sentimento de empatia com o sofrimento alheio terá cumprido o seu objetivo. Quando comecei a escrever, antes de mudar o tema na metade, a intenção era que esse poema tivesse o título de “Mais uma tarde de verão em Curitiba com 25Cº”, porque é assim que a maioria dos Curitibanos se sentem nessa temperatura
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 25
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Comentários5

  • Shmuel

    ..."que minha vida foi tão estúpida e insignificante
    quanto a minha morte, solitária e sem glória"...

    Bravo, um poema forte, com versos contudentes. Gostei muito da narrativa.
    Bom dia querido poeta, José Altofe Queirolo!

    • Altofe

      Muito obrigado, estimado poeta por seu prestigioso comentário. Abs.

    • Jose Fernando Pinto

      Excelente texto Jose Altofe, parabéns! Um relato do cotidiano que transforma a vida numa rotina sem fim até o seu próprio fim!

      • Altofe

        Fico muito grato por sua visita e leitura, caro poeta. Abs.

      • Maria dorta

        Fantástico! Que perspicácia, aí estáo reunidas todas pequenas_ grandes misérias que nos assola a alma e quebranta o corpo exposto ao sufoco de viver nas grandes cidades. O sofrimento quotidiano,mais cruel para os desalojados,os desiguais desta vida,mas não menos cruel para todos os mortais que convivem com poluição, os que não têm as benesses das classes sociais mais altas. Parabéns!

        • Altofe

          Gratidão, querida poeta, por sua atenciosa leitura e por seu acurado comentário. Abs.

        • Maximiliano Skol

          " gosto de sangue na boca" é sintoma de depressão mental ou de ansiedade (quando a boca fica seca). Todo seu poema detalhou a angústia nessas duas situações.
          Parabéns, prezado Queirolo.

          • Altofe

            estimado poeta, estou grato por sua leitura e por seu pertinente comentário. Abs.

          • Helena Rodrigues

            Belo texto caro Poeta,
            Sua escrita retrata fielmente a realidade do Cuatidiano e todas as circunstâncias que nos rodeiam... Onde a morte, essa não escolhe, lugar, hora, nem classe social !
            Abraço Poético

            • Altofe

              Meus agradecimentos, nobre poeta, por sua valiosa consideração. Abs.



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