Altofe

\\ Desconforto \\

 

Desconforto

 

o cão que late na calçada

a criança chora sem parar

o carro buzina na esquina

o alarme que teima em gritar,

os sinos da igreja doem nos ouvidos

a fumaça arde na garganta

o tempo abafado me faz

sufocar na fuligem e no desespero,

no pescoço me aperta o nó da gravata

o sal do suor arde em meus olhos

o calor que brota do asfalto

derrete a sola dos meus sapatos

o pesadelo por onde vou me acompanha

e a enxaqueca me faz sentir

todo o sol que queima minha cabeça,

os pensamentos se confundem com lembranças

enquanto sangra o meu nariz,

a fome dói em meu estômago

a sede seca a minha língua,

não fujo porque arrasto o inferno por onde ando

sempre falo demais e de tudo que digo e repito

pela boca maldita que só quer enganar

revelando mentiras com falsas verdades,

agora como castigo essa boca não consegue

sequer um pedido de ajuda balbuciar,

porque já sofro com a faca em brasa queimando meu peito

e sinto gosto de sangue na boca e o cheiro de podre no ar,

com o braço adormecido e as pernas arqueando

agonizo aos pés de transeuntes indiferentes

na calçada escaldante e empoeirada

já sei que a ambulância atrasará no engarrafamento

e nem consegui pagar o boleto atrasado,

enquanto infarto olho a bituca ainda acesa ao meu lado

e em meu derradeiro pensamento percebo,

que minha vida foi tão estúpida e insignificante

quanto a minha morte, solitária e sem glória.