Santa Rosa

NA TABACARIA

Borda do copo

ou janela do quarto

Tanto faz

Milhões de pessoas passam

Milhões de pessoas dormem

outras milhares reviram na cama

                        amargam insônia

Borda do copo

ou janela do quarto

Quantas pessoas passam pela porta da Tabacaria,

mas poucas entram

Não posso ficar muito tempo ao sol

por isso (mas não só por isso) entro

É um misto de velha tabacaria, café e bar

O cheiro de mofo domina todo ar

Junto ao balcão vejo Eufrásio em meio a vários rostos

Naquela mesa ao fundo está o Caeiro,

próximo a ele, seu discípulo mais ilustre.

Quero aproximar-me do Álvaro de Campos,

a inércia é maior

Deixo-me ficar na mesa mais próxima

Augusto dos Anjos me oferece um fósforo

O garçom se aproxima sonolento

é como se soubesse que só a morte o  aguarda

é como se soubesse que só a morte me aguarda

O vinho reclama da taça suja

                        não me importo,

                        nada me importa

Olho a taça sobre a mesa suja,

como se pudesse haver algo limpo por aqui.

Borda do copo, janela do quarto

Milhões de pessoas vivem lá fora

(ou pelo menos fingem)

Aqui nessa Tabacaria estamos todos mortos

(ou apenas lúcidos?)

Talvez fosse melhor ser louco,

mas não será loucura tanta lucidez?

Borda do copo

ou janela do quarto

Tanto faz

Ninguém enxerga a Tabacaria

e nós, em meio a fumaça permanecemos

a olhar pela borda do copo

pela janela do quarto,

pela poeira,

Nas teias de aranha

A vida agonizando como mosca,

presa à mediocridade dos que vivem sob o sol

e a desesperança dos que freqüentam a Tabacaria.

 

Uberaba, 09 de fevereiro de 1994.

 

Idael Christiano de Almeida Santa Rosa

 

  • Autor: Santa Rosa (Offline Offline)
  • Publicado: 15 de Julho de 2021 22:31
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 9

Comentários2

  • Claudio Reis

    Para dentro de nós? Ou para fora de nós?

    Belo poema!

    Siga feliz poeta.

    • Santa Rosa

      para o reflexo do espelho refletindo nos olhos do mundo

    • Maximiliano Skol

      Prezado Santa Rosa, gostei dos espectros
      que somente são revividos pela borda do copo ou pela janela do quarto do Fernando Pessoa. Você não acendeu o cigarro com o fósforo do Augusto dos Anjos. O Caiero estava no lugar errado, mas tudo ali nada importa, pois estão todos mortos, e a mediocridade ainda persiste. O Esteves continua sem a metafísica.
      Excelente poema.
      Um forte abraço.



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