Catarse Intima

Tales Vieira

foi por um acaso, ou dois, ou diversos. Não sei dizer pois agora estou pensando, refletindo para ser mais exato. Ainda não acordei. Continuo adormecido apesar de já ter levantado da cama há muitas horas. Não sei que dia é hoje. Não sei o que é um dia, nem um mês, nem as estações do ano. E as nuvens? Também não sei. Continuo andando de olhos fechados sem sentir o meu corpo. Então esbarro em alguém, mas sei disso porque nesse momento sinto o presença do meu corpo. Ele desaparece quando estou trancado no quarto escuro. Tudo some, o vento, o sol, as flores. Janelas que trancam as luzes do lado de fora. Então ando de um lado para o outro tremendo. Tudo escuro. Sem luz. Sem esperança. Vida triste e sozinha. Mas sozinho é aquele que esteve andando em circulos durante toda a madrugada à procura de alguém. Então ele a encontrou. Saíram para tomar café. Faltou silêncio naquela conversa. Desisto, afinal cansei.

Melhor desistir logo antes de ficar exausto, porque a exaustão é muito pior do que o cansaço. Principalmente quando não tem paredes de apoio. Imagina tentar se apoiar e... cair. Mas eu também caí. E foi uma queda longa, tão longa que não me lembro mais. Foi na minha infância, quando estava correndo e tropecei, arrastando o joelho no chão, resgatado pela minha mãe. Então voltei para casa, com o joelho sangrando. Mas ainda estava caindo. E espero que você me desculpe por ter citado um episódio que não tem haver com o que eu acabei de não te dizer. Eu ouvi. Espera. Dois carros passando. Mais um. O sinal fechou. Agora consigo ouvir. E imaginar. Um azul e o outro vermelho. A garota bonita que vende balas no sinal. Agora ela deve estar sentada na cadeira, tirando os óculos, a máscara

e respirando profundamente enquanto seca o suor da testa e prende o cabelo. Ela é muito bonita, não há como negar. Mas eu posso negar, porque não enxergo.  Na verdade enxergo apenas o escuro, e ele de nada adianta. Adiantaria se iluminasse alguma coisa, então talvez eu pudesse ver. Como se enxergar fosse realmente uma forma de ver as coisas. Se nunca tivesse oferecido um copo com água gelada para a garota que vende balas no sinal, ou não estivesse a observá-la durante  todos esses dias, ela continuaria sendo muito bonita ao se aproximar do meu rosto? Sua pele continuaria sendo pálida, seus olhos castanho claros, seus óculos

redondos, e ela continuaria vestindo calça jeans e camiseta rosa, prendendo o cabelo e secando o suor da testa com olhar de cansaço alegre. E eu continuaria dentro do quarto escuro onde posso trancar as luzes do lado de fora porque elas fazem com que eu enxergue. Não quero enxergar. Prefiro continuar cego e ver escuro. Não quero olhar para o seu rosto. Nem para o meu. Quero o seu corpo, a sua respiração ofegante no meu ouvido, o seu cheiro ao acordar, sua pele quente,  a sensação causada pelas suas mãos e pelo seu olhar que não consigo ver. Não caí de joelhos naquele dia, caí quando te vi, e encontrei o seu olhar. Então decidi ficar cego. Tampei os olhos, fugi para a escuridão permanecendo durante tantos anos isolado que quase mão me lembro do seu rosto. Agora preciso dormir, talvez mais tarde eu acorde e consiga finalmente voltar a enxergar...

  • Autor: Tales Vieira (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 18 de abril de 2021 13:14
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 13
Comentários +

Comentários2

  • Maria dorta

    Poema quase um grito de desespero. Típico de amor não correspondido? Pode ser só criação poética. Mesmo assim não faz bem se enfiar num calabouço de escuridão,sendo a vida tão bela,mas passageira. Arranque suas vendas...vejo outros rostos. Ajuda! Seu poema toca a gente!

  • Tales Vieira

    Obrigado, Maria!
    Além da sua escrita, você faz uma ótima leitura dos poemas!
    Posso dizer que sim, se trata de algo desse tipo... acho que a gente às vezes não consegue entender lá muito bem o que tá falando ou escrevendo, mas com a ajuda de outras pessoas isso acaba se tornando mais fácil.



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