Saí para crucificar Jesus, mas percebi que não trazia pregos.
Em animada tertúlia seguíamos pelo caminho:
Eu carregando sua cruz.
Rimos como malucos das mazelas do mundo;
Choramos pelos ricos que morriam sem poder aproveitar suas fortunas um pouco mais
E praguejamos contra o povo trabalhador
Que tudo clama a Deus.
Jesus, simpático, até parava para esperar eu mudar a cruz de ombros...
Quando comentei, quase sem querer, do calor escaldante,
Ele me disse seriamente que poderia fazer desabar estrondosa tempestade
Ou soprar uma suave brisa para amenizar o mormaço.
Mas não fez nada disso.
Perguntei-lhe se não era muita responsabilidade ser o Filho do Homem,
Ter sobre si o peso de ser o Rei dos Reis.
Respondeu-me com uma piada:
"Se, para mim, milênios representam uma fração de segundos...."
Mofou das invenções humanas...
Disse que o advento do dinheiro era uma tentativa fracassada do homem de se igualar a Deus.
Falou que o orgulho de sua criação era o sofrimento,
O qual fez questão de dar todo à raça humana,
Coroando definitivamente sua gloriosa misericórdia.
Eu, colocando-me em meu humilde lugar,
Salientei as belezas da natureza,
Enaltecendo as águas, as matas, a fauna, as montanhas e planícies...
"Perfumaria, meu caro, perfumaria!"
Aí eu percebi que ele já estava era para a galhofa, mesmo.
Meio que gemendo pelo peso do madeiro,
Falei da beleza e das delícias femininas.
Jesus confirmou sem pestanejar
Que, melhor que isso,
O Pai havia feito e guardado para si próprio,
Para seu exclusivo deleite.
"E o Diabo, Jesus, onde ele entra nessa coisa toda?"
Jesus parou de andar, fez uma cara muito séria
E me disse com olhos arregalados:
"Gente finíssima, da melhor qualidade!
Tem prestado inúmeros e relevantes serviços
A mim e a meu Pai."
Aí Jesus falou-me em tom de ameaça:
"Quem falar mal dele, arruma encrenca grossa comigo!"
Eu perdi meus argumentos e fiquei meio acanhado...
"Ora essa! Como é que eu vou dizer qualquer coisa pra esse sujeito?" - pensei.
Perguntei a ele sobre o propósito da criação do homem,
O sentido da vida humana.
Jesus, impacientou-se comigo e mandou que eu deixasse de tolice.
Disse que um rebanho, seja lá do que for,
Não fica pensando sobre o sentido de sua existência;
Apenas, come, bebe, procria e morre.
Quis saber como é o Céu.
"Olhe pra cima! Não está vendo?"
Quis saber como era sua casa.
"Como a casa de qualquer um playboy boa vida.
Com a diferença que não preciso
De automóveis espalhafatosos para me locomover,
Nem TVs de trocentas polegadas com traquitanas em HD,
Nem pago conta de água e luz
E não tenho que prestar contas ao fisco."
Impressionante esse Jesus!
Sua sinceridade afiada
Fazia-me admirá-lo cada vez mais!
Eu pensava:
"Eu quero ser como esse cara! Quero falar as coisas que ele fala!
Quero ver as coisas da maneira que ele vê!"
Havíamos chegado no alto de um penhasco.
Abracei a cruz para melhor segurá-la, olhei admirando a paisagem
E voltei os olhos para Jesus,
Que me fitava sorrindo sem abrir os lábios.
Meio sem saber direito o que dizer,
Falei que aquele era o fim da caminhada, e perguntei como seria dali para frente.
"Bem, eu tenho aí umas coisas pra ver..." - disse ele.
"Mas, e eu? O que eu faço com essa cruz?"
Mal tive tempo de terminar a frase.
O sujeito me empurrou precipício abaixo com cruz e tudo,
E só o que pude ouvir foi ele se despedindo:
"A Mim!"
- Autor: Doloroso (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 26 de fevereiro de 2021 15:57
- Categoria: Humor
- Visualizações: 12
Comentários2
Mas bah... Gostei barbaridade.
Louvo tua criatividade, mas, admitas que alguém fanático, poderá te chamar de herético, kkk.
Baita abraço, poeta.
Obrigado por ter gostado. De fato, poderá haver alguns que me condenem pela \\\"heresia\\\". Como dizem, neste país, ri-se de tudo, critica-se tudo, do Presidente até Deus, desde que não se ria nem critique o que os ideólogos de plantão decidam que é intocável. Eu já fui católico, cristão, satanista... Tenho intimidade e motivos suficientes para rir e criticar Deus e o Diabo. Forte abraço.
Gostei muito. Texto bem escrito, correto, interessante, com idéias originais muito bem desenvolvidas, sobre as quais ainda vou pensar muito. Obrigada.
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