Homem, gado.

Victor Severo

Amanheceu e dissiparam-se as trevas.

Apareceu em seu lugar a fosca luz que cega.

A multidão levantou-se e seguiu ainda atordoada.

A rota da escravidão, rumo à emboscada.

 

Para o matadouro, vejam como é triste nosso destino.

Entre jejuns, orações, sermões, toques de sino.

Poças de lama, elegias profanas, salvação aguardada.

A farsa da remissão, sonhos que acabarão em nada.

 

Anoiteceu, é hora de retornar para a prisão.

Recolher-se à certeza de sua pobre condição.

Na fria e úmida cova por seu dono ofertada.

 Um lar em forma de caixão, existência mal fadada.

 

Amanheceu e novamente a tropa se levantou.

Em generalíssima desordem, de pronto se alinhou.

A escutar com atenção em estado de torpor.

As manifestações de ódio em todo o seu furor.

 

Anoiteceu e a vida perdeu de vez o sentido.

Não fala com ninguém, não mais será ouvido.

O sono é o abismo que desejas tanto.

A morte é uma sereia de mavioso canto.

 

Amanheceu tão tarde que nem luz mais há.

Lhe invade a vontade de com tudo acabar.

Mas acabar com o quê? Com o que nasceu finado?

Melhor será aceitar o destino de bom grado.

 

Anoiteceu e, portanto, é hora de se recolher.

Quase não há mais pranto, vontade de viver.

Sentindo-se quase máquina longe do bem ou mal.

Breve será desligada, amargo e triste final.

  • Autor: Victor Severo (Offline Offline)
  • Publicado: 4 de fevereiro de 2021 09:39
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 18
Comentários +

Comentários1

  • Helio Valim

    Parabéns Victor. Crítica intensa e necessária, "um soco no estomago". Não podemos desistir: "A rota da escravidão, rumo à emboscada" precisa ser interrompida. Um grande abraço.



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