Amanheceu e dissiparam-se as trevas.
Apareceu em seu lugar a fosca luz que cega.
A multidão levantou-se e seguiu ainda atordoada.
A rota da escravidão, rumo à emboscada.
Para o matadouro, vejam como é triste nosso destino.
Entre jejuns, orações, sermões, toques de sino.
Poças de lama, elegias profanas, salvação aguardada.
A farsa da remissão, sonhos que acabarão em nada.
Anoiteceu, é hora de retornar para a prisão.
Recolher-se à certeza de sua pobre condição.
Na fria e úmida cova por seu dono ofertada.
Um lar em forma de caixão, existência mal fadada.
Amanheceu e novamente a tropa se levantou.
Em generalíssima desordem, de pronto se alinhou.
A escutar com atenção em estado de torpor.
As manifestações de ódio em todo o seu furor.
Anoiteceu e a vida perdeu de vez o sentido.
Não fala com ninguém, não mais será ouvido.
O sono é o abismo que desejas tanto.
A morte é uma sereia de mavioso canto.
Amanheceu tão tarde que nem luz mais há.
Lhe invade a vontade de com tudo acabar.
Mas acabar com o quê? Com o que nasceu finado?
Melhor será aceitar o destino de bom grado.
Anoiteceu e, portanto, é hora de se recolher.
Quase não há mais pranto, vontade de viver.
Sentindo-se quase máquina longe do bem ou mal.
Breve será desligada, amargo e triste final.