Helio Costa Junior

Do Caribe Ao Creguenhem

o poema
é o laranja do poeta

 

 

prima
 
eu arrumo a cama
pra você deitar
você deita e rola
e me desarruma
 
depois você levanta
se retoca, se arruma
pega a bolsa e cai fora
 
meu corpo sorri
meu coração chora

 

 

feed back
 
ontem, nosso amor,
voltou à estaca zero.
 
foi dez.

 

 

sanitários
 
sabe desses sanitários
que a gente canta, canta, canta...
até a alma ficar tonta?

pois é, foi num desses
que nossas canções
foram por água abaixo.

 

 

involuntário

uma mosca
zumbia e sobrevoava
meu copo de cerveja

não tive escolha
fiz o que devia

 

 

onde houver caminhos
que eu leve sandálias

 

 

esperteza

meu coração
é um cão adestrado
que aprendeu
pular fogueiras

vez em quando
ele salta sobre mim

 

 

receita de poema

abra o vocabulário do coração
reúna meia dúzia de palavras
e ordene-as de alguma forma
que possa dizer qualquer coisa

depois, sirva a humanidade

 

 

eterna busca

a lucidez
é uma espécie de espírito
que evoco todos os dias

em vão

 

 

noites
 
há noites
de sono tão profundo
que eu escalo
verdadeiros precipícios
pra poder acordar

 

 

amor gástrico

por falar em paixões...
minha vida tem sido
uma diarreia crônica.

 

 

ascensão & queda

era até boa de cama
uma, duas, três, tantas
fez fama

num tropeço
seu mundo caiu

sem mundo, sem cama
sem grana, nem quem ama...

rivotril

 

 

ampulheta
 
você foi embora
e deixou
o relógio na parede

o tempo passou
a parede ruiu
o relógio parou
a casa caiu

quando você foi embora...
chica que los parió!

 

 

manhã chuvosa
 
a sua dócil tristeza
alfineta o âmago
da minha débil poesia
 
— bom dia!

 

 

tchau 
o tempo pára
a voz se cala
a vida exala
 
juntas às esperanças
algumas pessoas
deixam a sala

 

 

gentileza

o poste
diante minha janela
sequer me diz...
boa noite.

ainda assim,
não consigo lhe ser recíproco.

— boa noite senhor.

 

 

sujeira
 
pus um tapete na varanda:
o tempo passou
e não limpou os pés

 

 

por tua espera
 
por tua espera
as horas passam
minhas pernas cansam
meus cabelos embaraçam
 
os sinos tocam
os grilos cantam
e minhas esperanças
dançam
 
por tua espera

 

 

medo
 
tic, tac, tic, tac,
a madrugada no despertador.
toc, toc, toc, toc
ouço passos no corredor

 

 

inverno

dia frio
e a tarde se acomoda
por trás da cortina
que a noite cerrou

e as árvores?
bem, estas parecem
bailar

 

 

concomitantes

meu relógio
não parou,
chegou ao fim.

meu coração...
idem

fico por aqui.

 

 


sorte

bem-aventurados
os sacizeiros,
pois estes
têm duas pernas

 

 

paciência
 
a lua é linda
mas eu já fumei
todos os cigarros
e não há música
 
ela ainda não veio,
também acabou o vinho
e agora começo...
sentir frio.

 

 

sanidade

não pensem
que sou maluco.

mas enfim,
confesso.

 

 

ansiedade jamais

quando o amanhecer
parece demorar...

desço ao quintal
com torradas e café,
e fico escutando os latidos
bravamente proferidos
por minhas vira-latas

 

 

desastre conjugal

você esqueceu
a panela no fogo
e o meu coração
também queimou

reduzindo à cinzas
minha paz
minha paciência
minha lucidez
meu orçamento
e o nosso amor

jamais esquecerei

 

 

comunhão
 
as lembranças
a saudade
e a música antiga
 
seu corpinho
o tempo
e a fadiga

você ainda quer briga?

 

amor tribal

nos encontros
suspiros, suspiros
e mais suspiros

na união
filhos, filhos
e mais filhos

na separação
tapas, socos
pontapés e tiros

 

 

inversão

no caderno
o mais recente poeta
que o poema escreveu

 

 

relaxe

não vou estar em casa
na hora que você chegar,
mas a deixo toda arrumada
com pratos e panelas lavadas
e cama quentinha perfumada
pra você deitar, rolar, dormir
sonhar, sonhar & sonhar

 

 

fidelidades

velando
o meu sono
profundo
gira o ventilador
e o mundo

 

 

solitário
 
andava tão sozinho
que não havia sequer
pedras em meu caminho

 

 

outono

a chuva me deixa
encharcado

mas não lava
minha alma

 

 

por hoje basta

queridas palavrinhas
durmam em paz

se amanhã não chover
papai do céu deixar
o carro não quebrar
a mulher não brigar
e eu não enlouquecer
talvez tenha mais

beeeijos.

 

 

ofício

fazer poesia
é uma crise de espirros
que não cessa

ainda que alguns
fique pelo caminho

 

 

viver com você,
por você,
é um pique-nique
com formigas.

adoro!

 

 

educação

limpei o tapete
para você
limpar os pés

você meteu
os pés pelas mãos
e eu acabei
limpando o tapete
em vão.

 

  • Autor: Helio Costa Junior (Offline Offline)
  • Publicado: 19 de Janeiro de 2021 11:07
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 11

Comentários2

  • Shmuel

    Sinto falta das tiradas poéticas. Gostava muito de ler Millôr Fernandez, e por uns momentos ele me veio a mente ao ler sua poesia, com essa pitada acentuada de humor.
    Parabéns!

  • Maria dorta

    Bem lembrado nosso Milor. Era um gênio! Você tem engenho e arte para esse tipo de poemas- instigacoes escrever. Gostoso te ler. Chapéu!



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