DA TERRA À PANELA
(Louvação à Nadiela)
Da Terra do quintal o onírico invade a cozinha
ou a cozinha invade o sonhar?
o tempero da vida escondido nos pequenos gestos
a subversão de preservar o tradicional
a sublevação de resistir ao progresso estéril
a insubordinação de não se render à ciência venal
a coragem de escolher a terceira margem do rio
Os saberes menosprezados habitam os quintais e as cozinhas
Subvertem a ordem que nunca trouxe o progresso
Defende o valor da vida
Defende o tempo de viver a vida
A gramínea se rende à garapa
Que vira rapadura
Que vira melaço
Que vira cachaça
A gramínea que vira pasto
Que vira gado
Que vira leite
Que se transmuta em queijo mineiro
Requeijão moreno tão geraizeiro
Doce de leite (doce deleite)
A raiz vira farinha
A raiz vira goma
Vira beiju, tapioca, pirão
Vira goma que colando papeis cria araras, pipas, pandorga
E ganha o céu
O que era alimento transformam em pragas de lavoura
O saber “moderno” as destrói
Mas elas persistem na lembrança dos velhos
No cotidiano dos que ainda guardam sementes
Nos espaços de cerrado que a soja não devorou
Rebrotam as PANCS
Resistem os frutos
E o nosso paladar dialoga com a estação
E a nossa memoria mantem a tradição
Parece pouco, parece absurdo, parece inusitado
Mas não é
É no casamento da cozinha com o quintal
Que a resistência se faz mais forte
Os sentimentos, os gostos, os saberes e os sabores
Se perpetuam, difundem-se
Aos poucos outros olhos vão se abrindo
Vão redescobrindo o valor da vida
E a vida que tem valor em si.
É preciso agradecer
Aos que resistem e mantem a cultura
Aos que mantem a essência da vida
Aos preservam as plantas e as tradições
Aos alquimistas das cozinhas
E aos seres urbanos de olhar diferenciado
Que por suas lentes, palavras e ações
Corroem as viseiras que queriam nos cegar.
Questionam a pasteurização da cultura
dos saberes
dos sabores
É preciso exaltar às Nadielas
Gratas como sempre
Felina de olhar atento
à luz
ao movimento
cordas dadas para o encantamento
Pará de Minas, 01 de fevereiro de 2018
Idael Christiano de Almeida Santa Rosa
Viva o queijo mineiro, o requeijão geraizeiro, salve a resistência da cultura “sertanica”, do pequizeiro e de todos os frutos do cerrado, das veredas. Viva quem tem história e ousa ser destoante com a modernidade imbecilizante. Salve todos os rebeldes loucos poetas filósofos subversivos e, mesmo sem saber, epidemiólogos. Salve, mil vezes salve essa figura linda, mulher felina de olhar atento e inquieto que trás no peito força guerreira de inúmeras tigresas. Que mais Nadielas existam para resgatar nossa essência da pasteurização cultural do senso comum, da imbecilização diária e diarreica dos “mass media” controlados pelos que só se preocupam com a multiplicação dos ganhos e não dos saberes e não dos sabores.
Eu te adoro!
- Autor: Santa Rosa ( Offline)
- Publicado: 2 de janeiro de 2021 18:02
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 9
Comentários2
Parabens pelo texto e como descreveu todo o tema, sobre o ciclo dos alimentos, e seu desdobramento. Exaltando ainda uma grande expressão da culinária artesanal.
Abraços.
Grato meu caro, que a poesia encha nossas vidas de sabores
Quase um hino a cultura gastronômica. Principalmente a Mineira (conterrâneo). Amei! Parabéns!
Que bom que gostou.
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