Um dia como a morte

Imortalo Cuelho


Entediada da vida e do seu trabalho, prestes a pedir as contas, a Senhora Morte saiu para mais um dia enfadonho de trabalho. Desde o início do seu trabalho, o que mais ouvira eram súplicas para que não levasse um ente. Como era estressante tudo aquilo, todos os dias milhares de súplicas. E depois os mortos, que canseira da moléstia, tem que explicar a situação para todos eles.
- Então meu amigo, você morreu. Aquela é a sua família e o trambolho que está no caixão é você. Entendeu sua situação? Por gentileza, poderia assinar aqui por favor, têm mais uns tantos outros como você que estão esperando minha visita. Senhor, a culpa não foi minha, quem resolveu fumar 30 cigarros por dia, transar sem camisinha, usar cocaína, ter episódios recorrentes de libação alcoólica, foi o senhor. Muita gente o alertou sobre as consequências da sua vida desregrada. Senhor, por favor, colabore comigo, eu já estou nesse emprego há mais de 20 milhões de anos, não há nada que eu possa fazer para que o senhor possa continuar vivo. SENHOR! VEJA BEM. OU O SENHOR ASSINA, OU EU TE MANDO DIRETO PARA O INFERNO.
Ah! O artifício do inferno, funciona em boa parte das vezes, só é mencionar que eles rapidinho assinam. O problema são os Ateus, os únicos que sempre e estiveram certo, céu e inferno, essas coisas não existem. Como que faz para obrigá-los a assinar o contrato de prestação de serviços meu Deus? A dona Morte já tentou de tudo, mas tadinha, é sempre uma luta fazer as pestes assinarem. As vezes ela chega a perder alguns microssegundos do tempo dela tentando convencê-los, volta e meia isso gera consequências catastróficas.
Só para vocês entenderem, para não ficarem achando estranho e criarem uma inimizade com a Morte. O tempo para ela é preciosíssimo, ainda mais no mundo como está hoje, lotado de gente, é toda hora um coitado morrendo. Minto, é todo minuto um coitado morrendo. Minto de novo, mas não vou me alongar mais porque acredito que vocês já entenderam que é gente morrendo o tempo todo. Tem dia que por pouco a conta não fecha, e o que mais acontece é gente passando do tempo de morrer. Vocês pensam que o serviço de saúde é problemático, tem que conhecer o serviço de morte, só tem uma funcionária, trabalha 24 horas por dia, o trem é complicado.
Voltando para o início do texto, a morte já estava bem desgostosa do seu trabalho, nesse dia, depois de umas centenas de contratos encerrados, ela parou do lado de um zé ninguém sem nada em especial, um sortudo em meio a tantos que já passaram por ela, e resolveu fazer algo diferente. Antes de atingi-lo com sua foice, tornou-se visível para o homem.
- Olá, me chamo Morte, dama solitária, mulher de preto, caminhante da noite, entre outros nomes que a mim foram atribuídos a mim. Caminho neste mundo a tempo de mais e, sinceramente, estou entediada. Irei direto ao ponto, estou te dando a oportunidade de continuar vivendo e nunca mais se encontrar comigo, ou você pode aceitar sua partida. – Estranhamente o homem não se assustou com a figura da mulher, muito menos com a sua fala. Talvez ele já esperava pela visita, ou acreditara que aquilo era um delírio, ou simplesmente era surdo. Contradizendo a última hipótese, ele a respondeu.
- Você faz essa proposta a todos?
- Não, você é o primeiro e será o último.
Os olhos do homem brilharam, ao vê-los a morte sabia bem o que se passava em sua mente. Ele estava pensando que era especial, que levará a vida toda, mas em seu leito de morte, finalmente, havia descoberto a quê veio ao mundo, ele seria o primeiro e único imortal. Mal sabia que era fruto da aleatoriedade associada ao a insatisfação de uma velha trabalhadora. Por um momento a dama solitária se arrependeu do seu ato, porém, como nunca voltava atrás, manteve sua postura.
- Eu aceito. Ele respondeu.
A morte foi embora, sem palavras mágicas, conselhos, brilho divina, ou qualquer outro artifício para embelezar mais a cena. A penas se foi. Em momento algum se sentiu melhor. Parou por um segundo e percebeu que gostava do seu trabalho, talvez aquilo que vinha sentindo era decorrente das mudanças hormonais em decorrência do climatério. Adiantou um médico ginecologista que estava na sua lista, acordou consigo que nunca mais daria tal escolha a alguém, e parou durante um segundo para tomar um sorvete.
O homem que a princípio se sentira especial, percebeu que a vida continuava com todos os problemas de antes. Apesar de ter obtido a imortalidade, envelhecia e adoecia como sempre lhe ocorrera. Concluiu que ganhar na loteria não o torna especial.
A morte quando bate à porta não dá escolhas. O dia que abriu uma excessão, o homem se arrependeu.

  • Autores: Imortalo Cuelho
  • Visível: Todos os versos
  • Finalizado: 4 de maio de 2020 03:00
  • Limite: 6 estrofes
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  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 41


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