Mendigo Mulambo

Todo o ser seja humano ou animal
todo o ser seja aquático ou terrestre
todo o ser seja classe econômica ou executiva
todo o ser seja rural ou da periferia
todo o ser seja latino ou europeu
todo o ser e não a não ser

todo o ser se sujeita a necessidade
de se sujar e de se alimentar
para se manter precisa trabalhar
ou caçar e ou colher

não tem escolha
a outra opção
é morrer, é morrer, é morrer

é verdade que:

tem sujeitos desviando dinheiro
tem sujeitos apenas sobrevivendo

tem sujeitos sentimentais demais
tem sujeitos de olhos tão secos

tem sujeitos que produzem sujeira
tem sujeitos colocando-as em sacolas

tem sujeitos pedindo esmolas
tem sujeitos cobrando pedágios

teu dinheiro para um falta
e para outro tem
você paga por que convém

Ontem um mendigo falou para uma plateia
de seres que fingiam não ouvir e ver
escutando canções em inglês
evitando as queixas proferidas em português
por aquele sujeito tão frustado
parecia vir de um tempo antigo
teria este nascido a dez mil anos atrás?
dizia ele que os funcionários
do famoso mercado teriam o espancado

Um homem não pode comer e cagar!
disse tão alucinado que seu corpo
parecia eletrizado, eram
invisíveis as grades que o cercavam

Sua humanidade foi se perdendo
no decurso cruel do tempo
até ser reduzido a uma criatura
mais insignificante que
uma pulga, mas ainda possui um pulso,
embora as habilidades sociais
atrofiaram por desuso
e o que restou daquela carcaça
chega a ser chamado de monstro

Uma figura triste e faminta
que não encontra
nem conforto na família

Na rua percorre os dias
sem observar o calendário
esqueceu até mesmo
do ano em que nasceu

Tolo ser que desobedeceu
os preceitos da moralidade
morto que vaga na cidade
feito um fantasma flutuante

Todo ser merece ser reconhecido
exceto você que deixou de ser vivo
e virou um monstro vazio
cuja existência perturba pois
nos lembra da nossa culpa
nenhuma esmola será
suficiente para pagar esse débito
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Alberto Neto (_Autor Lírico)