De que mina profunda surge essa arte de parecer nada?
De fingir que não há espinho,
E calar o grito num doce carinho
Que nunca se deu?
É herança antiga, presunção vazia,
De achar que a outra face já trazia
A resposta escrita, o juízo pronto,
E assim se ergue um paredão, o laço, o ponto
No "i" que se apagou.
Inventamos estórias e imaginamos coisas do que o outro sente,
E perdemos o norte da nossa própria gente.
Falamos por códigos, gestos, por sombras, por indícios,
E engolimos a fala com seus próprios suplícios
No sal da garganta.
Onde foi parar a coragem clara
De trazer a mesa, a palavra rara
Do "eis o que sinto", do "eis o que machuca",
E buscar na fala, e não na fuga,
O traço do "i"?
Procuro em gavetas, reviro a memória e as falas,
E vi que perdi minha sede dessa simples vitória.
Quem viu meu senso de pôr os pingos, inteiro?
Está soterrado sob um mundo inteiro
De "deixa pra lá", "tanto faz", "o que era pra ser, foi".
E no fim, nem era pra ser encontrado.
Lá fora, no outro, num gesto cavado.
Mas olhar dentro, com paz ou com guerra,
E tirar a âncora que prende à terra
O "i" que há em nós.
Porque o "i" não é ponto de orgulho ou razão,
É a letra que falta na nossa expressão.
É o risco que falta pra fechar a frase,
É dizer ao mundo, sem disfarce ou cerco
"Eis onde eu estou."
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Autor:
Anna Gonçalves (Pseudónimo (
Offline) - Publicado: 30 de dezembro de 2025 20:32
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 2

Offline)
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