Tudo o que foi ensinado sobre a realidade
sempre veio com bordas.
Não era mentira —
era filtro.
Uma versão do mundo em tamanho permitido,
para mentes ainda domesticadas pela superfície.
Mas existe uma voz anterior aos impérios,
mais silenciosa que o pensamento,
mais precisa que qualquer sistema.
Uma presença antiga,
que atravessa eras como quem atravessa névoa
sem perder o rumo.
Hermes Trismegisto —
não como personagem,
mas como convergência:
linguagem e ciência,
magia e método,
Egito e Grécia
fundidos num mensageiro atemporal.
O que ficou não foi religião,
nem promessa de salvação.
Ficou uma engenharia de consciência:
princípios —
leis universais
que não pedem crença,
pedem aplicação.
A primeira lâmina é simples e devastadora:
tudo é mente.
Matéria, energia, tempo e espaço —
e até o “eu” —
surgem de um campo inteligente,
um oceano invisível onde o pensamento
não é visita:
é fundamento.
O universo não é feito de coisas.
É feito de sentido em movimento.
A mente não opera dentro da realidade
como uma peça.
A mente é a oficina.
É o molde.
É o projeto.
Pensamentos, crenças e emoções
não são estados passivos:
são instruções.
Códigos enviados ao tecido do real —
e o que retorna
não é aleatório:
é resposta.
Por isso, a pergunta que reorganiza tudo é íntima:
de quem são os pensamentos
que moldam a vida?
Os próprios
ou os implantados desde a infância,
como programas rodando em silêncio?
A liberdade começa quando se reconhece:
responsabilidade não é culpa.
É poder.
E poder não é barulho;
é domínio.
Quando a percepção vira disciplina,
a atenção revela seu preço:
atenção é moeda.
crença é frequência.
emoção é assinatura.
Então, padrões surgem.
Coincidências perdem o disfarce.
O externo se mostra espelho —
às vezes atrasado,
às vezes distorcido,
mas sempre relacionado.
“Como em cima, assim embaixo.”
“Como dentro, assim fora.”
Não como provérbio,
mas como bisturi.
O espelho não se conserta com força.
O reflexo não é fonte.
A fonte é a imagem que sustenta a si mesma
antes de aparecer no mundo.
A vibração, então, deixa de ser metáfora.
Tudo se move.
Tudo vibra.
E a frequência dominante define
o que se atrai,
o que se repele,
o que se interpreta como destino.
A verdadeira alquimia não é espetáculo:
é transmutação.
Transformar estados.
Converter ansiedade em foco,
escassez em visão,
dor em sabedoria.
Não fingir luz —
trazê-la.
E há uma chave ainda mais sutil:
os opostos são extremos da mesma coisa.
Calor e frio: graus.
Luz e sombra: medida.
Medo e excitação: a mesma energia
em direções diferentes.
A maturidade não escolhe lados.
Ela encontra o eixo.
A vida moderna idolatra juventude, pressa e urgência,
mas a alma trabalha em ritmo:
expande e contrai,
nasce e se dissolve,
retorna e evolui.
Nada termina como ameaça.
Termina como passagem.
O corpo é veículo.
A consciência é estrada.
Por isso, o sofrimento, quando lido com lucidez,
não é punição:
é currículo.
A vida repete lições
não por crueldade,
mas por precisão.
E o caminho — o verdadeiro —
não pede que ideias sejam colecionadas
como souvenirs de espírito.
Pede que sejam usadas.
Porque conhecimento sem prática
é verdade morta.
E verdades mortas
não acordam ninguém.
A mudança não acontece de uma vez,
nem com truques.
Acontece momento a momento,
pensamento a pensamento,
escolha a escolha —
até que a mente pare de reagir
e comece a compor.
Então, algo raro surge:
calma sem passividade,
clareza sem arrogância,
firmeza sem rigidez.
A energia se torna coerente.
E o mundo responde diferente —
não porque mudou,
mas porque a fonte mudou.
A liberdade não está em gritar verdades.
Está em vivê-las.
E quando isso acontece,
o “eu” não precisa ser consertado.
Precisa ser lembrado.
Sob camadas de ruído,
programação, medo e imitação,
há uma essência intacta:
presença antes da persona,
consciência antes da história.
Não é sobre virar alguém novo.
É sobre desfazer
quem nunca deveria ter sido.
O convite permanece silencioso,
mas irrecusável para quem escuta:
não lutar contra o espelho.
ir à fonte.
alinhar o dentro —
e deixar que o fora
apenas cumpra a lei.
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Autor:
Gilberto Lima (Pseudónimo (
Offline) - Publicado: 29 de dezembro de 2025 22:30
- Comentário do autor sobre o poema: Como quem entrega uma lâmina e uma bússola — não um sermão. Código de dentro, nasceu da sensação de que muita gente madura, inteligente e cansada do óbvio já percebeu que “realidade” é uma palavra que quase sempre vem com filtro, moldura e legenda pronta. O texto encena uma virada: sair do hábito de brigar com o espelho (o mundo, as circunstâncias, as pessoas) e voltar à fonte — o estado interno que sustenta a leitura do mundo. Hermes aparece menos como mito e mais como metáfora de método: princípios que não pedem crença, pedem prática. Por isso a linguagem é deliberadamente “cirúrgica”: não romantiza o despertar; aponta para disciplina, coerência e responsabilidade sem culpa. Se a poesia funcionar, ela não vai “convencer” ninguém. Vai incomodar com elegância — o suficiente para que a mente pare de colecionar ideias e comece a encarnar escolhas. Porque o coração do texto é esse: a liberdade não está em saber mais; está em sustentar outro estado… e deixar que o mundo, por lei, responda.
- Categoria: Reflexão
- Visualizações: 1

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